Eduarda Esposito
As regiões de savana do Cerrado tiveram um aumento de 221% de áreas queimadas em agosto de 2024. Foram 1.239.324 hectares atingidos, mais de duas vezes o tamanho do Distrito Federal. No mesmo período do ano passado, 386.404 hectares foram queimados. Os dados são do Monitor do Fogo, divulgados nesta quinta-feira (19/9), pelo MapBiomas, coordenado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Esse tipo de vegetação, composto por árvores, arbustos e gramíneas, é predominante no bioma e ocupa a maior parte (41,7%) de tudo o que queimou no Cerrado nos oito primeiros meses do ano.
“Ainda que a área queimada em florestas do Cerrado seja menor do que a área queimada em savanas, chama a atenção este número que foge à dinâmica comumente observada no bioma. O aumento do fogo nas formações florestais é algo novo e que pode estar relacionado à intensificação das mudanças climáticas e ao desmatamento, que fragilizam eseas áreas e aumentam sua vulnerabilidade ao fogo”, explica Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM.
O Cerrado detém oito das 12 nascentes das principais bacias hidrográficas do Brasil. Elas abastecem os rios da Amazônia, do Pantanal, da Caatinga e da Mata Atlântica. Aquíferos que têm a maior parte de sua área no bioma também irrigam o subsolo do Pampa, a exemplo do Guarani. O aumento das regiões queimadas intensifica o alerta para o agravamento da crise hídrica no país. “O Cerrado é o coração das águas do Brasil, se o perdermos, estamos arriscando o abastecimento hídrico do país e colocando em xeque vidas humanas e da biodiversidade”, alerta Alencar.
“Se não controlarmos os incêndios e o desmatamento do Cerrado, não vai ter mais água saindo da torneira na casa da maior parte dos brasileiros”, enfatiza Yuri Salmona, diretor executivo do Instituto Cerrados.
Impactos no bioma
Isabel Schmidt, coordenadora do Manejo Integrado do Fogo da Rede Biota Cerrado, organização que analisa a biodiversidade do Cerrado, diz que esta é a época em que tanto a fauna quanto a flora do bioma estão no período mais sensível. “Incêndios no final da estação seca são muito prejudiciais porque acontecem numa época em que plantas e bichos estão mais frágeis por estarem investindo em reprodução. As condições climáticas extremas permitem que os incêndios se alastrem por vegetações do Cerrado que são muito sensíveis, ou seja, sofrem impactos negativos, como as matas de galeria. Então, há muita mortalidade de plantas, adultas e jovens, em todos os tipos de vegetação do bioma. Além disso, incêndios nesta época são muito rápidos e podem ferir animais, mesmo adultos, e causam mortalidade e ferimentos de filhotes. Por serem rápidos e atingirem áreas extensas, as queimadas homogeneizam a paisagem e dificultam a sobrevivência dos animais, pois impedem o encontro de abrigo e comida”, explica.
E a solução?
Para Schmidt, a sociedade e os governos precisam reconhecer a importância do Cerrado e aumentar a sua proteção. Ela destaca que a preservação do bioma está diretamente envolvida com a produção agrícola e o abastecimento hídrico do Brasil. “É preciso combater o desmatamento sob pena de perder capacidade de sobrevivência (abastecimento de água) e produção agrícola. Quanto aos incêndios, o Manejo Integrado do Fogo (MIF) vem sendo implementado com sucesso há poucos anos nas unidades de conservação federais, reduzindo as queimadas. Juntamente com o combate direto, áreas previamente manejadas, com queimas prescritas, reduziram os danos e o tamanho dos incêndios na Floresta Nacional de Brasília e no Parque Nacional de Brasília em setembro de 2024”, explica.
O MIF é uma técnica utilizada pelos brigadistas no fim da estação chuvosa e no início da seca, quando o solo ainda está úmido e frio por conta das chuvas. Dessa forma, é possível evitar que grandes queimadas ocorram nas regiões manejadas. “O MIF pode e deve ser implementado em mais áreas, incluindo unidades de conservação distritais, assim como reservas estaduais e terras privadas”, enfatiza Schmidt.
Desinformação
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) acusou brigadistas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) de causarem os incêndios que assolam o país. “Querem acusar a direita e o agro de incendiários”, disse, durante sessão deliberativa do Plenário no Senado Federal, pedindo para que o governo federal reveja as práticas do Ibama e do ICMBio. “O Xingu está em chamas porque os brigadistas estão fazendo uso das queimas prescritas”, afirmou Damares. Ambientalistas das instituições mencionadas como responsáveis pelos incêndios pela senadora Damares disseram ao Correio que essa prática não é feita nesta época do ano. A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema nacional) publicou nota em repúdio às declarações da senadora Damares.
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