O Brasil tem 18,6 milhões de pessoas com deficiência (PcDs). Os dados do IBGE de 2022 mostram que 8,9% da população brasileira acima de dois anos de idade apresenta alguma dificuldade de exercer as atividades do domínio funcional, como enxergar, andar, ouvir, se comunicar, entre outros. Para estas pessoas, as funções do dia a dia se tornam mais trabalhosas e árduas, principalmente se não tiver as adaptações necessárias para tornar a atividade acessível. Da mesma maneira que a ausência de equipamentos afeta a vida prática, a falta de acessibilidade atrapalha a vida digital das pessoas com deficiência.
Dados da pesquisa TIC Domicílios 2023, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), mostram que 84% da população brasileira tem acesso à internet. Isso corresponde a 156 milhões de pessoas, entre elas, as PcDs. No entanto, a acessibilidade digital no Brasil ainda está longe do ideal. De acordo com a pesquisa de acessibilidade digital, divulgada pela empresa de tecnologia BigData Corp, em parceria com o Movimento Web Para Todos, apenas 2,8% dos sites brasileiros apresentaram adaptações, sem falhas, para pessoas com deficiência em 2024. Em comparação com 2023 (3,3%), os sites tiveram uma diminuição de 0,4% na acessibilidade digital.
A idealizadora do Movimento Web para Todos, Simone Freire, explica que a acessibilidade no mundo digital é tão importante quanto as adaptações no mundo físico, como a construção de uma rampa para pessoas com baixa mobilidade, um intérprete de libras em um show, ou um texto em braile em um museu.
“Quando pensamos em acessibilidade digital, podemos fazer essa analogia de colocar uma rampa, por exemplo, nos sites. É colocar o braile no aplicativo, porque a nossa vida, hoje, é digital. Para mandar um WhatsApp, para conferir a nossa agenda, para fazer um pagamento, enfim, nossa vida hoje praticamente gira em torno de um acesso digital. Agora, imagina se você não é uma pessoa que está dentro dos padrões de pessoas típicas. Certamente você vai encontrar barreiras absurdas para exercer a sua cidadania no mundo digital. A importância da acessibilidade na web, ela é vital”, afirma Simone Freire.
Falhas de programação
Para um site se tornar acessível, é preciso desenvolver ferramentas que transformem as cores, os estilos de fonte, o tamanho das letras e dos desenhos. O CEO da BigData Corp, Thoran Rodrigues, explica que existem cinco grupos que avaliam se um site é acessível. As descrições e estruturas das imagens, as organizações dos links, as cores e as fontes são características que, se não forem pensadas para todos, podem atrapalhar a navegação de pessoas com deficiência.
Para o cientista da computação Rafael Gonçalves, o problema vai muito mais além do que as fontes e cores dos sites. Ele argumenta que os profissionais da programação não estão familiarizados com as regras e noções básicas para fazer um site acessível. “Para um produto ser acessível, é preciso uma equipe que entenda sobre as regras, e a maior parte dos programadores não entende”, recomenda.
Freire argumenta, no entanto, que a acessibilidade digital é um trabalho de todos os usuários da internet. “É uma responsabilidade de todas as pessoas. Todos nós somos produtores de conteúdo que podemos contribuir colocando legenda nos vídeos, descrevendo as imagens que eu posto, por exemplo”, sustenta.
A acessibilidade também é problema nos sites governamentais. Segundo o levantamento do Cetic, apenas 10% dos sites do governo são acessíveis — e continuam com falhas. Freire entende que a falta de preocupação com a acessibilidade é histórica. “A grande questão é que existe um legado de anos em que não se pensava em acessibilidade. Então, os sites governamentais ainda não estão preparados para a inclusão, mas está começando a circular”, diz.
Thoran avalia que, apesar dos números ainda não serem satisfatórios, o mundo digital começando a inclusão lentamente. “Isso se deve, em grande parte, à aplicação de inteligência artificial para tentar resolver problemas como as cores, o tamanho, o estilo”, completa.
O engenheiro de software Leonardo Gleison, 36 anos, e sua esposa, Camila Domingues, de 33 anos, enfrentam todos os dias dificuldades para navegar na web. O casal é cego, mas encontrou maneiras de ter uma vida digital sem muitos problemas. Eles ensinam outras pessoas com deficiência a enfrentar o mundo virtual por meio do canal Inclunet, no YouTube. “A acessibilidade, para mim, é a capacidade que eu, como pessoa com deficiência, tenho de realizar minhas tarefas diárias com total autonomia, seja uma transferência bancária, agendamento de uma consulta ou comprar um produto. Hoje, infelizmente, fazer essas atividades ainda é um pouco difícil e mostramos isso nos nossos vídeos, o que significa a acessibilidade real”, conta o engenheiro.
O maior problema que Leonardo e a esposa enfrentam são as compras online. “Na loja virtual, é muito difícil ter descrição dos produtos que estão à venda e, quando tem, são detalhes muito vagos. O e-commerce vende muito mais pela foto do que pelo que ele escreve sobre o produto que ele está vendendo. Então, muitas vezes, a gente acaba não conseguindo comprar em todos os e-commerces porque falta descrição”, lamenta. Ele conta um episódio que descrevem bem a situação. “Eu estava comprando um interruptor na internet. Perguntei ao vendedor qual era a cor do interruptor, se era branco ou preto. Eu não sabia. Como ele tinha colocado a foto com o interruptor na cor branca, ele zoou com a minha cara e falou que era rosa, mas eu não tinha como saber. São esses tipos de situações que passamos, infelizmente”, relata Leonardo.
*Com Juliana Sousa; estagiários sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza
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