O Ministério Público Federal (MPF) enviou um parecer ao Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania defendendo a instauração de processo administrativo para reconhecer a condição de anistiado político de João Cândido Felisberto, conhecido como “almirante negro”. O militar foi líder da Revolta da Chibata, ocorrida em novembro de 1910, no Rio de Janeiro. O movimento tentou acabar com as práticas violentas de castigos corporais da Marinha contra os marinheiros, em sua maioria negros, no contexto do pós-abolição da escravatura.
O MPF coletou elementos para demonstrar que a perseguição a João Cândido não se limitou à Revolta da Chibata, mas estendeu-se por toda a sua vida. João Cândido morreu no dia 6 de dezembro de 1969, em decorrência de um câncer, aos 89 anos, sem receber reconhecimento ou anistia do Estado brasileiro. Ele recebeu apenas uma pequena pensão concedida pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.
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“A manifestação da coordenadora-geral de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas, Fernanda Thomaz, elenca uma série de episódios que, ocorridos após 1946, indicam não apenas a omissão prolongada do Estado brasileiro em anistiar o almirante negro, mas também uma atuação proativa em vigiar, perseguir e controlar a vida e o legado de João Cândido”, destacou o procurador Julio José Araujo Junior, que assina o documento.
O requerimento, enviado no dia 19 de março, cita as contribuições da pesquisadora Silvia Capanema, em livro sobre a vida de João Cândido. Segundo ela, o próprio militar relatou que teve de pedir uma intervenção ao Ministro da Marinha depois de 1912, quando procurava trabalho na Marinha Mercante e era perseguido por oficiais. Ela explica, ainda, que João Cândido enfrentou perseguições dos oficiais da Marinha mesmo depois da anistia de novembro de 1910, da prisão antes do julgamento, entre dezembro de 1910 e dezembro de 1912, e depois de ser absolvido no Processo do Tribunal Militar, em 1912. Ele foi desvinculado da Marinha por conclusão de tempo de serviço contra a sua vontade.
A pesquisadora destaca que as perseguições prosseguiram entre os anos 1920 e 1960, não só a João Cândido, mas também contra todos os autores que escreveram ou tentaram escrever sobre ele. O biógrafo Álvaro Nascimento cita que a canção Mestre-Sala dos Mares, de Aldir Blanc e João Bosco, foi vetada durante a ditadura militar, sob a alegação de que se tratava de “conteúdo esdrúxulo” e “mensagem negativa”, por falar da “chibata na Marinha”, “prostituição no cais” e “lutas inglórias”, “do trabalhador do cais e sua negritude sofrida”.
De acordo com o pesquisador, no Carnaval de 1985, a União da Ilha levou João Cândido à Marquês de Sapucaí, com o tema Um herói, uma canção, um enredo. No entanto, antes teve que submeter o planejamento do desfile ao crivo da censura e dizer “a marinha de hoje nada tem a ver com os episódios acontecidos há 75 anos atrás”.
No parecer, o MPF ressalta que João Cândido foi alvo de uma perseguição sem fim. “Com a morte de João Cândido, imaginava-se que a perseguição cessaria. Contudo, isso não ocorreu. Com o auxílio de Álvaro Nascimento, também biógrafo do almirante negro, foi possível acessar documentos que indicavam não haver disposição da ditadura civil-militar em parar com o silenciamento sobre a história da revolta da chibata”, diz o documento.
Para o procurador Julio José Araujo Junior, “é necessário dar seguimento à análise do pleito da família de João Cândido por reparação e afastar de uma vez os obstáculos que impedem a sua inscrição no panteão dos heróis da Pátria”.
O Correio tenta contato com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania para questionar sobre o andamento do parecer do MPF, mas até a última avaliação desta matéria o jornal não obteve retorno.
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