“O brasileiro precisa ser estudado” é uma frase frequente em discursos políticos, comentários de redes sociais e conversas de esquina. Como pode um povo com tantas carências ter também enorme capacidade de rir de si mesmo e achar saída para tudo?
Em seu novo livro, “Sofrendo Feliz da Vida” (editora MM), o cientista político Rubens Figueiredo tenta seguir à risca o mote e vai “estudar” o que existe de verdade no clichê de que o brasileiro arruma sempre um jeitinho para sobreviver às intempéries do dia a dia.
“Problemas não nos faltam. Somos um país pobre e estamos entre as oito nações socialmente mais desiguais do mundo”, diz Figueiredo. “Porém, nos dois rankings internacionais de felicidade mais conhecidos, temos posição de destaque”, acrescenta.
O autor se refere ao Global Happiness, que apontou o Brasil como o quinto país mais feliz do mundo, e ao World Happiness Report, em que o país aparece em 49º lugar, posição bem melhor do que o seu ranking de desenvolvimento social medido pela ONU (87º), o IDH, levaria a crer.
“Seríamos dezenas de milhões de ingênuas Alices enxergando maravilhas num país tão cheio de percalços e injustiças?”, provoca.
Na tentativa de explicar o fenômeno, ele mescla dados estatísticos com discussões acadêmicas antigas.
Recorre, por exemplo, a Sérgio Buarque de Holanda em seu clássico “Raízes do Brasil”, no qual se discute o conceito de “cordialidade”. “O brasileiro cordial, profundamente emotivo, abomina a coerção. É civilizado mais porque ‘gosta’ do que porque a sociedade estabelece que ‘precisa ser’”, teoriza Figueiredo.
Ele também bebe na fonte de Oswald de Andrade, que prega, em seu Manifesto Antropófago: “Antes de os portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil já tinha descoberto a felicidade”.
O conceito de felicidade, diz Figueiredo, é algo que diversos autores tentaram definir ao longo da história, começando em escritos dos gregos Tales de Mileto e Sócrates, séculos antes de Cristo.
O senso comum diria que a felicidade tem uma correlação estreita com a sensação de bem-estar: quanto melhores os indicadores de saúde, educação, segurança e outros, mais contente a pessoa se sente com a vida.
O livro mostra que isso é verdade apenas até certo ponto, e demonstra esse fenômeno com um levantamento do instituto Ipsos sobre os conceitos de satisfação e felicidade em diversos países.
O brasileiro foi disparado o povo que disse estar mais feliz da vida do que satisfeito com as condições de seu dia a dia, uma diferença de 16 pontos percentuais.
Em comparação, nos EUA esse intervalo é de 5 pontos, e de apenas 1 ponto na média dos locais pesquisados. Em outras palavras, o mundo segue a lógica de que quem está satisfeito com sua vida também diz ser uma pessoa feliz, mas o Brasil, não. “Vivemos mal e nos sentimos bem”, resume o autor.
Nesse ponto, Figueiredo arrisca hipóteses culturais para definir a situação. Para isso, lança mão de um divertido arsenal de anedotas públicas e privadas em diferentes áreas, da sabedoria galhofeira de Zeca Pagodinho ao deboche erudito de Ariano Suassuna.
Figueiredo, ao fim da obra, entra no espírito da autoironia e se rende à dificuldade de explicar de maneira científica o espírito do brasileiro. “Por que o brasileiro é feliz? Porque é feliz. Ponto.”
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