A Justiça de Minas Gerais derrubou a censura imposta pela prefeitura de Conselheiro Lafaiete (MG), cidade localizada a 100 quilômetros de Belo Horizonte, a obra “O Menino Marrom”, do cartunista Ziraldo. A suspensão ocorreu após a reclamação de um grupo isolado de pais de alunos.
O livro deixou de ser usado nas escolas e uma circular da prefeitura proibiu o uso durante as aulas nas instituições de educação básica da cidade. Em nota, a Secretaria de Educação do município chegou a negar que tivesse imposto censura a obra que trata sobre racismo.
“A Secretaria Municipal repudia qualquer declaração de censura e esclarece que preza pela liberdade de expressão, pluralidade e respeito a todos, ressaltando que em nenhum momento foi cogitada qualquer ação que não fosse manter a obra em seu rol de livros e promover um debate mais amplo sobre as importantes questões nela abordadas”, declarou a pasta.
Em um dos trechos do livro, o autor relata que o menino marrom, em referência a pessoas pardas e negras, tenta ajudar uma idosa a atravessar a rua, mas ela se recusa. Então, na história fictícia, o menino reage, desejando que a idosa seja atropelada.
“E lá apareceu a velhinha, de novo, indo para a missa. Os dois não diziam nada. Só ficaram olhando a velhinha atravessar a rua que levava à praça e depois à igreja. A velhinha sumiu no meio da vegetação da pracinha e os dois voltaram para casa. No dia seguinte, olha os dois lá, de novo, sentadinhos na calçada, esperando a velhinha passar. No final de algumas manhãs, já que o menino marrom não dizia nada, o menino cor-de-rosa resolveu perguntar: ‘Por que você vem todo dia ver a velhinha atravessar a rua?’ E o menino marrom respondeu: ‘Eu quero ver ela ser atropelada’. Como pode durar este jogo de deus e de diabo em peito de menino?”, destaca um dos trechos.
O juiz Espagner Wallyssen, da 1ª Vara Cível da Comarca de Conselheiro Lafaiete, entende que houve censura à obra e que a mera manifestação de um pequeno grupo de pais de alunos não pode ser usada para justificar a medida. Ele acatou ação movida pela professora Érica Araujo Castro, que pediu o fim da restrição aplicada ao livro. “É necessário preceituar que a mera pressão exercida por supostos pais de alunos em relação a conteúdos educacionais veiculados para os estudantes, não deve ser motivação idônea para que a Administração Pública, em detrimento do direito da educação, e em contrariedade a especialistas da área, censure, em contrariedade ao texto constitucional”, escreveu o magistrado.
Ele determinou o fim da suspensão aplicada ao livro, sob multa de R$ 5 mil por dia de descumprimento. Para o magistrado, basta que seja aplicada a classificação indicativa por idade do livro. “Consigno que a única “censura” passível de ser aplicada a materiais como livros, é a classificação indicativa, que decorre da “previsão constitucional regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e é disciplinada por portarias do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A classificação indicativa se encontra consolidada como política pública de Estado e seus símbolos são reconhecidos pela maioria das famílias”, completa a decisão.
O advogado da parte autora, Eduardo Gravina, comemorou a decisão. “Como destacado na Ação Popular ajuizada, o ato da Secretaria de Educação de Conselheiro Lafaiete é medieval. Em uma democracia, obras literárias não devem ser alvo de censura, especialmente obras insuspeitas como “O Menino Marrom”, do saudoso Ziraldo. A decisão proferida pelo Juiz Espagner Wallysen, da 1ª Vara de Conselheiro Lafaiete, nesse sentido, reforça o respeito à autoridade suprema da Constituição da República e restaura a liberdade de ensino garantida aos professores, bem como a liberdade de aprender dos estudantes, assegurando o sagrado direito constitucional à educação e à liberdade”, afirmou o defensor.
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