Paracatu — Depois de mais de 12 horas de atraso, na noite de ontem quatro famílias desta cidade de Minas Gerais puderam se reencontrar com os jovens que morreram, na madrugada do primeiro dia do ano, em Balneário Camboriú (SC), para a despedida final. A chegada dos corpos foi a dolorosa confirmação de que os sonhos, planos e esperanças dos quatro foram interrompidos para sempre.
O atraso no início do velório se deu em função de tráfego durante o translado, realizado por via rodoviária, nos quase 1.500km que separam Balneário Camboriú e Paracatu. Dois carros funerários saíram do município no noroeste mineiro para buscar os corpos dos jovens em Curitiba, para onde uma funerária catarinense fez o transporte.
Ao luto coletivo de Paracatu soma-se, ainda, o choque de ter sido palco de outra tragédia, em pleno Natal. Uma mãe e dois filhos — de três e 11 anos — foram levados, dentro de um carro, por uma enxurrada, em 24 de dezembro. A cidade, que já estava comovida por esse episódio, cobriu-se de tristeza com a morte dos quatro jovens. No exato momento da chegada dos esquifes para o velório, parentes sentiram-se mal e foram atendidas pelo serviço médico.
Apesar da chuva, o público chegou ao ginásio do Jockey Clube da cidade nas primeiras horas da manhã de ontem. O atraso na chegada dos corpos, porém, dispersou uma parte dos cidadãos que queria prestar as homenagens.
Gustavo Pereira Silveira Elias, de 24 anos; Tiago de Lima Ribeiro, de 21; Karla Aparecida dos Santos, de 19; e Nicolas Oliveira Kovaleski, de 16, segundo investigações preliminares da Polícia Civil catarinense, foram vítimas de envenenamento por monóxido de carbono. O gás tóxico teria saído do escapamento da BMW 320i M Sport, ano 2022, em que estavam e invadido o habitáculo do carro. Eles tentavam se recuperar de um mal-estar descansando, com o ar-condicionado ligado, estacionados em frente à rodoviária de Balneário Camboriú.
Quem os encontrou, já sem vida, foi Giovana, namorada de Gustavo. O pai do jovem, Gilson Elias, disse ao Correio que a moça tinha ido se encontrar com o filho, pois os dois tinham planos de se casar. “Estavam animados”, contou.
Amizade
Karla, Gustavo e Nicolas eram amigos desde que frequentaram a mesma escola, na zona rural da cidade. Já Tiago, que era namorado de Karla, era amigo de Gustavo desde a infância, segundo relataram parentes.
Nicolas Kovaleski, de 16 anos, foi atrás “do sonho de uma vida melhor”, conta o primo do garoto Leonardo Reis. “O Nicolas, com a família, era excelente, educado e carinhoso. Até para conversar ele falava baixinho. Era jovem, mas, como queria crescer, começou cedo, porque queria lutar por um futuro melhor para a mãe dele”, relatou Reis.
Segundo o primo do adolescente, a mãe chegou a viver em um assentamento durante alguns anos e a família ficou desamparada depois que os pais se separaram e o pai do rapaz foi morar em Curitiba. Nicolas era aficionado por computadores e buscava montar uma empresa de marketing digital para trabalhar com rifas e apostas on-line.
Gilson Elias, pai de Gustavo — o mais velho do grupo —, disse que a decisão do filho de se mudar para Florianópolis não preocupou a família. “Ele era um rapaz muito centrado de cabeça, a gente confiava muito nisso, ele estava todo empolgado e disse que a partir do dia 2 tudo começaria”, afirmou.
Ele diz que, desde a morte do filho, alterna o torpor, ao fingir que a situação não é real, e o desespero. “Ele falou comigo antes da virada do ano, estava muito feliz. Era um menino muito amoroso, muito comunicativo, todo mundo gostava dele. Era um menino de ouro. Foi uma perda muito, muito grande”, lamentou Gilson.
Renato Ribeiro, tio de Tiago, lembra que, apesar de estar distante do sobrinho, o sobrinho era um sonhador. “Ele sempre foi um menino sonhador, com seus objetivos. A gente entende que meu irmão foi (viver em Santa Catarina) para apoiar os sonhos do filho. A gente está destruído emocionalmente, mas estamos em busca de dar um suporte a todos”, disse Renato, que não escondeu que se espantou com a decisão do irmão e da cunhada de se transferirem com os filhos para Florianópolis.
“A família acredita no que foi dito pela polícia, pela imprensa, que foi uma fatalidade. Uma fatalidade muito grande e a gente está muito mexido com essa perda — são quatro jovens. A gente não teve nem tempo para pensar algo diferente de uma fatalidade, de deixar eles descansarem”, acrescentou Renato.
O Correio não conseguiu conversar com qualquer dos parentes de Karla Aparecida dos Santos, que preferiram não falar sobre o episódio.
Os enterros estão previstos para acontecer na manhã de hoje. Gustavo e Nicolas serão sepultados em Paracatu, mas Karla e Tiago serão enterrados em Lagoa Formosa (MG), a aproximadamente 200km.
Customização
A BMW na qual morreram os quatro jovens teria sido customizada logo depois da compra. Foi o que garantiu Gilson Elias. Segundo ele, a família de Tiago, que utilizava o carro, fazia todas as revisões nas concessionárias da marca, em Brasília e em Goiânia.
“Eles fizeram a revisão antes de ir para lá (Balneário Camboriú). Estamos esperando a polícia para ver o que o relatório vai falar. A BMW é da família do Tiago, foi ele mesmo que customizou, mas logo depois de comprar”, afirma.
Gilson disse não entender da parte mecânica da BMW. Sabe, porém, que no veículo houve “a instalação de um dispositivo para aumentar o barulho, que ele (Tiago) aciona por meio de um controle e atua apenas no bocal da descarga”. A informação foi reforçada por moradores de Paracatu, que relataram que o veículo é “famoso” na cidade por ser “barulhento”.
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