O jovem Neri Guarani Kaiowá, de 23 anos, foi assassinado a tiros na manhã desta quarta-feira (18/9), na Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu, em Antônio João, Mato Grosso do Sul. O crime ocorreu durante uma ação da Polícia Militar na Fazenda Barra, área marcada por intensos conflitos fundiários. A morte de Neri foi confirmada por Paulo Pereira da Silva, coordenador Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em Iguatemi.
O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) também informou que uma mulher foi baleada na perna, enquanto os barracos da retomada foram destruídos no confronto. Segundo as entidades, a Força Nacional não estava presente na área. De acordo com lideranças locais, a violência começou ainda de madrugada e persistiu ao longo da manhã. Em um dos momentos da operação policial, o corpo de Neri foi arrastado para dentro da mata por policiais militares, o que gerou revolta entre os Guarani e Kaiowá. Os indígenas avançaram em direção ao local para onde o corpo foi levado, resultando em novos confrontos. “Foi a PM. Já estão nos atacando desde antes da vinda da Missão de Direitos Humanos”, denunciou uma indígena ao CIMI.
A comunidade Guarani e Kaiowá já vinha enfrentando agressões nos dias anteriores. Na última quinta-feira (12/9), três indígenas foram baleados pela Polícia Militar durante um confronto na mesma região. Uma das vítimas, Juliana Gomes, segue hospitalizada em Ponta Porã após ser atingida por um tiro no joelho. Outros dois indígenas foram atingidos por balas de borracha no episódio. Segundo as lideranças, os ataques intensificaram após a visita da Missão de Direitos Humanos, organizada pelo Coletivo de Solidariedade e Compromisso aos Povos Guarani, na última sexta-feira (13/9).
O secretário executivo do CIMI, em entrevista ao Correio, relatou detalhes da situação. “A Polícia Militar do Estado do Mato Grosso do Sul está numa situação de permanente ataque violento e criminoso contra a comunidade indígena. Estamos falando de um território homologado desde 2005. Aqui, a polícia militar assassinou o jovem indígena de 23 anos, que deixou um bebê de 11 meses. Esse tipo de violência escancara uma relação espúria em que a polícia atua como segurança privada de interesses particulares”, afirmou.
Em nota à Agência Pública, Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) do Mato Grosso do Sul informou que 100 policiais militares foram até a fazenda para cumprir uma determinação judicial da Justiça Federal, de manter a ordem e segurança na propriedade rural, além de permitir o ir e vir das pessoas entre a rodovia e a sede da fazenda. O Correio tenta contato com a Polícia Militar do Mato Grosso do Sul.
A Funai, por meio de nota, declarou que recebeu a notícia com indignação e já acionou a Procuradoria Federal Especializada (PFE) para tomar as medidas legais cabíveis. A entidade também informou que solicitou a presença constante da Força Nacional na área e reitera que os atos de violência contra os povos indígenas são inaceitáveis. “A Fundação está mobilizando todos os esforços para salvaguardar os direitos e a segurança dos povos indígenas da região”, disse a nota.
A Fundação também esclareceu que o conflito está sendo monitorado pela Coordenação Regional de Ponta Porã e que já se reuniu com o juiz responsável pelo caso, solicitando providências urgentes. “Em diálogo com a Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, reafirmamos a orientação de que não deve haver qualquer medida possessória contra os indígenas da Terra Indígena Nhanderu Marangatu”, acrescentou a nota.
A deputada federal Célia Xakriabá (PSol-MG) também se pronunciou sobre o caso. “São muitas as violações desse episódio, a começar pelo fato de que, mesmo sendo um território indígena, a Força Nacional não estava em área. A ação da Polícia Militar não foi fundamentada em nenhuma decisão judicial e até o momento, a Polícia Militar e a Polícia Civil não permitiram que a família e a comunidade se aproximasse do jovem assassinado, arrastando o corpo para a mata, de acordo com as lideranças locais”, denunciou a parlamentar. Ela ainda enfatizou que essa violência não é isolada, mas uma intensificação das violações dos direitos dos povos indígenas no Brasil.
A mestre em planejamento territorial e CEO da Tewá 225, Luciana Sonck, explicou que o impacto é mais amplo quando se trata de violência contra os povos originários. “Muitas retomadas de posse são feitas de forma violenta, seja nas cidades ou no campo, especialmente tratando-se de comunidades tradicionais. Não estamos falando sobre uma ausência do Estado, mas sim de um modo de operação enraizado em diversas esferas, que limita e impede a chegada de políticas públicas que possam garantir qualidade de vida e segurança para essa população”. Luciana também alertou sobre o impacto do racismo e da violência institucional nos processos de demarcação de terras e criticou o avanço da tese do Marco Temporal, que, segundo ela, representa um grave retrocesso para os direitos indígenas.
O Correio pediu a manifestação do Ministério dos Povos Indígenas, mas, até o momento, a pasta não se pronunciou sobre o assassinato de Neri Guarani Kaiowá.
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