Convidada para realizar um seminário em Brasília a convite da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), a filósofa francesa Gisèle Szczyglak considera um mito a ideia de “liderança feminina”. Para ela, não existem mulheres líderes, e, sim, mulheres em cargos de liderança. Trata-se de uma grande diferença, pois afasta todos os estereótipos que pesam sobre as mulheres nos espaços de poder e de comando. Professora da Escola Nacional de Administração na França, ela é autora do livro Subversivas: a arte sutil de nunca fazer o que esperam de nós. Nesta obra, a primeira traduzida do francês, Szczyglak explica que a liderança nasce de dois movimentos: um individual, outro coletivo. E que a mulher, após se convencer de que é líder do próprio destino, pode dar início à mobilização contra a dominação masculina. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.
Por que o nome “Subversivas”?
É uma forma de convidar as mulheres a fazer uma espécie de pequena revolução. Subversivo significa que você tem que fazer alguma coisa, tem que estar onde não se espera que você esteja. É como sair. É como fazer uma reviravolta. Às vezes, explicam-lhe, espera-se que seja uma menina simpática, que obedeça, que esteja disponível para os mais velhos, porque a forma como as mulheres e as meninas foram criadas é para se dedicarem ao mundo. As mulheres nunca pertencem a si mesmas. Primeiro, pertencem aos filhos, aos maridos, aos patrões, às famílias, ao Estado. Portanto, ser subversivo significa aprender a ser você mesmo, indo além de todos os estereótipos de gênero. Os homens comandam o mundo, não as mulheres. Então, ser subversivo significa: ok, eu só quero ser eu mesma. Eu só quero ser feliz como um ser humano, então, preciso ir além de todos esses estereótipos de gênero e preciso fazer o que não se espera que eu faça.
“As mulheres nunca pertencem a si mesmas. Primeiro, pertencem aos filhos, aos maridos, aos patrões, às famílias, ao Estado. Portanto, ser subversivo significa aprender a ser você mesmo, indo além de todos os estereótipos de gênero” Gisèle Szczyglak, filósofa e professora francesa
Essa subversão feminina avançará de forma pacífica?
Há muitas maneiras. Você pode ser subversivo de forma individual ou pela forma de se comportar, seja com seus filhos, com seus amigos, com sua família, com seus chefes. É como uma pequena revolução, uma revolução individual. Mas é preciso ser subversivo em nível coletivo também. É por isso que estamos ministrando este curso Mulheres em posições de liderança; porque as mulheres precisam sentar-se à mesa do poder. Elas precisam de ser líderes se quiserem mudar este mundo, se quiserem fazer a diferença. Não podem ficar quietas em casa, cuidando dos filhos. Ser subversiva é a forma de entrar na arena principal, onde todos esses jogos políticos e sociais acontecem intensamente.
Ou seja, é preciso também uma mobilização coletiva.
Você não pode fazer isso sozinha, porque há poder nos números. E o que sentimos falta, como mulheres, é uma rede forte. E a forma como fomos criadas nos levou a pensar que podemos mudar as coisas somente em nível individual. As mulheres precisam compreender como construir alianças fortes também com mulheres e homens. Requer, portanto, dois tipos de movimentos: um individual e um coletivo. É, por isso, que as mulheres têm de se envolver na política, porque precisam de fazer parte do jogo se quiserem mudar as regras.
Senão elas continuarão em posição inferior.
Elas vão ficar à margem, reclamando do mundo, sem fazer nada. Você precisa estar exposta. E quando você está exposta, você não é mais uma garota legal. É muito difícil, e para isso você não pode fazer sozinha. Você precisa estar com outras pessoas, precisa encontrar alianças fortes para fazer isso. E há muitas maneiras de fazer isso: às vezes, é como uma guerra, pois você tem que enfrentar as pessoas com força. Às vezes, funciona ser suave e sutil. Então, você precisa ser inteligente, às vezes é preciso construir estratégias periféricas só para chegar lá. Ser subversivo é movimento: pode ser suave, pode ser forte, dependendo do contexto e das situações. O sucesso individual é coletivo. Nunca conseguimos ou falhamos sozinhos.
Por que tantas diferenças entre homens e mulheres?
Quando falo sobre o conceito de subversivas, temos que entender que mulheres e homens nascem iguais por natureza, mas tornaram-se desiguais apenas pela cultura. Pesquisas em ciências cognitivas mostram que há tanta diferença entre dois cérebros masculinos quanto entre cérebros masculinos e femininos, assim como existe essa diferença entre dois cérebros femininos. Então as diferenças de gênero não são significativas, ok? Somos iguais por natureza, mas nos tornamos desiguais por cultura. E os homens são muito espertos, fazem as mulheres acreditarem que cultura é natureza. Portanto, ser subversivo é apenas estar consciente desse processo. A dominação feminina é apenas um processo que foi construído e precisa ser desconstruído.
Qual é a principal habilidade para ser uma mulher subversiva?
Ser ela mesma. Trata-se de ser você mesma e se ver como um ser humano. Significa não se perceber como uma mulher de uma forma com todos esses estereótipos de gênero. E isso é uma coisa que é muito difícil, porque há muita pressão social. Nós, mulheres, somos criadas de uma forma que devemos ser legais, ser amadas, permanecer no nosso lugar, ficar quietas, não mostrar muita ambição, dizer sim, nunca dizer não.
A senhora vem ao Brasil desde 2016 e tem uma colaboração próxima com o governo brasileiro, certo? Qual é exatamente o trabalho que a senhora está desenvolvendo?
Vim contar o que estamos fazendo na Europa, na França, em termos de políticas públicas, porque estamos falando de cotas. Estou descrevendo como podemos mudar o ecossistema, como podemos implementar uma cultura de equidade de gênero. Meu primeiro contato com o Brasil veio por meio da Enap (Escola Nacional de Administração Pública). A Enap me convidou para dar este seminário. E não é porque as mulheres têm falta de liderança. O que acontece é que, quando estamos na liderança, enfrentamos mais dificuldades. Porque não podemos ser líderes.
Vê algum progresso em seu trabalho com o governo brasileiro? Como definiria os resultados desta cooperação?
Sinto que as mulheres estão mais confiantes agora. Notei que elas não estão tão relutantes em alcançar posições de topo, diferentemente do que acontecia há alguns anos. Desde que comecei a vir para o Brasil, acho que as mulheres, agora, estão dispostas a mudar a sociedade e a tomar o lugar delas para abrir mais espaço para elas. Vejo uma evolução positiva. E, claro, é preciso mencionar o novo governo, que está tentando implementar políticas públicas. É um bom sinal também.
“Sinto que as mulheres estão mais confiantes agora. Notei que elas não estão tão relutantes em alcançar posições de topo, diferentemente do que acontecia há alguns anos” Gisèle Szczyglak, filósofa e professora francesa
Mas há muitos feminicídios no Brasil.
Eu sei disso. Mas existe um movimento social que é mais forte. Existem muitas associações no Brasil. E há uma questão importante, que são as mulheres negras. É um sinal muito bom que tenhamos um ministério dedicado à igualdade racial. Porque, nas sociedades, principalmente no Brasil, há muitos homens e mulheres indígenas e negros. Todo o sistema deveria ser representado por essas pessoas também. Precisamos de mais mulheres e homens negros ocupando cargos de liderança e participando dessas conversas políticas.
A senhora mencionou a importância das políticas públicas para alcançar a igualdade de gênero. Qual é o papel da escola nesse contexto?
A educação é uma programação social. Temos que começar pelas crianças. A forma como os rapazes e as moças são educados, e até a forma como são vistos na escola. Não é a mesma coisa. As meninas não podem falar como os meninos, esse tipo de coisa é muito comum. Penso que deveríamos começar pela educação e dedicar programas específicos à igualdade de género e aos estereótipos de género.
Isso acontece nas escolas francesas?
Tentamos, mas falhamos. Foi há 10 anos, algo assim. Tínhamos um programa específico, ferramentas específicas para dar aos professores. Mas estávamos muito à frente, por isso não foi entendido de uma forma muito correta. Agora, temos muitos programas apenas para promover e implementar a equidade de gênero na escola desde o início. Eles estão funcionando.
O mundo está cada vez mais conservador. Isso não é um obstáculo para as mulheres?
Temos dois mundos opostos. Você tem um movimento muito progressista e, ao mesmo tempo, tem uma retaliação. Esses dois movimentos coexistem. E não é só direita e esquerda, mas homens e mulheres. Você pode observar esse tipo de movimento muito poderoso em todos os lugares deste mundo. E é só porque sempre haverá alguma resistência a esse progresso.
Esta luta será permanente?
Sim. Dependerá do contexto econômico, cultural. Depende da política. É sempre sobre política.
O seu livro é filosófico, mas também propõe soluções práticas. Qual conselho a senhora daria para uma mulher comum, que trabalha, leva os filhos à escola ou é dona de casa?
Eu as convidaria apenas a darem prioridade a elas mesmas. Dê prioridade a você mesma. Valorize-se. Construa um egoísmo positivo. Torne-se mais egoísta, mas de forma positiva. Isso significa que você tem que cuidar de si mesma primeiro. Quem é você? Você está nesta casa para pertencer a si mesma ou aos outros? Que tipo de vida você gostaria de viver?
É a questão fundamental: Quem sou eu?
Sim. Quem sou eu? Quem você pensa que é quando anda? Quem você pensa que é quando você ama, quando você fala com as pessoas. Que tipo de modelo você deseja incorporar para si mesma? E para seus filhos, para as pessoas com quem você conversa? E há um ponto importante: você precisa estar conectada ao seu corpo. Porque nós, o nosso corpo, o corpo das mulheres, na maioria das vezes, pertence a outros. Portanto, você precisa estar conectada consigo mesma, de uma maneira muito mais profunda, do seu coração, da sua mente, da sua alma.
Uma jornada de autoconhecimento.
O que você quer ser no fim do dia, no fim da vida? Você quer fazer a diferença, ou quer viver sua vida como um escravo? E ser mãe não é estar numa armadilha, na cadeia. Não. Trata-se de abrir sua mente, abrir seu coração. Abra sua alma e pense em quem você é.
Depois da tomada de consciência individual, há um segundo passo: a formação de alianças. Que tipo de alianças a mulher deveria procurar?
Penso que elas deveriam se considerar parceiras. Porque as mulheres não reúnem forças nem sororidades, elas não se ajudam. Isso porque, como falei, nunca conseguimos ou falhamos. Acontece que somos todos conectados. Precisamos um do outro. Fazemos parte da sociedade, faz parte da maneira como vivemos como seres humanos. Então não fique sozinha, isolada. Dedique tempo suficiente para conhecer pessoas. Saia pelo mundo, saia de casa, não fique presa atrás do computador. Conheça pessoas e construa alianças fortes com mulheres e homens.
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