Planejada desde a sua concepção, Brasília tem a maior parte de sua fiação elétrica enterrada concentrada na área do Plano Piloto e, especificamente, na Asa Sul. O Distrito Federal tem a maior porção de rede subterrânea entre as áreas de distribuição de energia elétrica das cinco capitais mais populosas do país.
Levantamento da Folha feito a partir de dados geográficos das distribuidoras mostra 18,7% de fiação subterrânea na região onde está a capital federal. Em seguida estão as regiões que abrigam Rio de Janeiro (12,7%), São Paulo (7,1%), Salvador (0,2%) e Fortaleza (0,1%) —as duas últimas têm percentual baixo porque a área de concessão engloba, respectivamente, quase ou todo o estado.
Após apagões atingirem a região metropolitana de São Paulo no fim do ano passado, o tema voltou ao debate como uma medida contra os efeitos dos temporais, ao menos em áreas densamente povoadas.
O DF, por exemplo, com o maior percentual de enterramento, tem 4.200 quilômetros subterrâneos do total de 22,5 mil quilômetros que compõem a rede operada pela Neoenergia Brasília. A expansão em novos bairros, por sua vez, segue o planejamento da Terracap (Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal), que pode contratar obras para enterramento de fios. É o que ocorre, atualmente, no bairro Noroeste.
Já o Ceará, atendido inteiramente pela Enel Ceará, possui o menor percentual, com 156 do total de 160,4 mil quilômetros da rede operada pela companhia no estado.
O enterramento no Rio de Janeiro, cuja distribuição já era operada pela Light, começou nos anos 1950, no centro e em bairros da zona sul, como Copacabana e Ipanema. Mais tarde, avançou rumo à zona oeste na Barra da Tijuca. Atualmente são 5.600 quilômetros debaixo da terra entre os 45,9 mil administrados pela concessionária.
Em nota, a companhia afirmou que tem a maior extensão de rede enterrada no Brasil e que não se opõe à medida. “O tema precisa ser amplamente debatido, previamente, pois é um assunto complexo e que impacta diretamente a população.”
Essa expansão no Rio levou em conta a demanda por energia, segundo Henrique Henriques, do departamento de engenharia elétrica da UFF (Universidade Federal Fluminense). “Quanto mais densa a área, mais você pode colocar sistemas subterrâneos com mais e mais investimento, porque eles se pagam.”
A densidade diz respeito às unidades consumidoras e à carga, cuja demanda é maior, por exemplo, em áreas de prédios altos. Assim, com mais clientes e mais energia consumida, é possível equilibrar o custo.
Cenário semelhante ocorreu em São Paulo, com a rede subterrânea concentrada na região central, nos Jardins e no entorno da avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini, na zona sul. Para Cyro Vicente Boccuzzi, sócio-diretor da consultoria ECOee, o enterramento ocorreu em áreas já consolidadas.
“Fazer rede subterrânea numa área em crescimento, com construções, vai custar muito e terá valas abertas por tempo indefinido.”
Outros projetos específicos, segundo a Enel São Paulo, são executados quando não há impacto na tarifa. A companhia cita o enterramento na avenida Santo Amaro (1 km), na zona sul, e na praça Beiçola, em Cidade Dutra (700 metros). Já as avenidas Imirim (zona norte) e Amador Bueno (zona leste), estão recebendo obras para o enterramento de 5 km de cabos. Em Itapecerica da Serra, um trecho de 4,3 km de fiação está sendo enterrado.
A área da Enel no estado, que engloba a capital e 23 cidades da região metropolitana, tem 7% de fiação enterrada, se considerados os 62 mil km totais e 4.450 km subterrâneos. Desses, o poder público é responsável por 18,4 mil km de redes de iluminação pública, dos quais 1.278 km estão enterrados. Sobram os 43 mil quilômetros de rede elétrica, sendo cerca de 3.000 de fiação enterrada.
A rede subterrânea comporta outros 18,4 mil quilômetros, que incluem 1.278 quilômetros enterrados, correspondentes a redes de iluminação pública conectadas ao sistema da distribuidora.
Já na Bahia e no Ceará, as redes são predominantemente rurais. Em Fortaleza, uma lei municipal determinou o enterramento completo da fiação até 2034, resultado considerado improvável pelo professor Raphael da Câmara, do Departamento de Engenharia Elétrica da UFC (Universidade Federal do Ceará).
“Logo começou o impasse da distribuidora, a Enel Ceará, que disse que não paga e que o município não é a autoridade competente para isso, que é federal.”
O tema, como em São Paulo, foi parar na Justiça. Segundo a prefeitura, a Enel afirmou que a administração municipal usurpou a competência legal sobre o tema. “Atualmente esta ação está aguardando manifestação do juízo, acerca do pedido de reconsideração da sua decisão que declinou da sua competência em face da Justiça Federal.”
Já na Bahia, onde a Neoenergia Coelba é a responsável pelo fornecimento a 414 dos 417 municípios, incluindo Salvador, uma lei estadual de 2018 determinava o enterramento de fiação em cinco anos na capital e em dez no restante do estado. Sem regulamentação, não houve mudanças.
“O legislador faz a lei e esquece a parte mais importante, que é a técnica. Isso não é viável. Salvador é uma cidade histórica, cheia de problemas. É um tempo muito curto”, afirma o professor da Escola Politécnica da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Edinildo Andrade Torres.
A Neoenergia Coelba afirmou que a implantação de redes subterrâneas está prevista. “Atualmente, a rede elétrica subterrânea de Salvador representa 6% do sistema de distribuição da cidade. Até 2027, está planejado o aterramento de 44 quilômetros adicionais de rede elétrica.”
Para superar a barreira do custo, é preciso dividir as responsabilidades, segundo Tiago Figueiró, sócio das áreas de fusões e aquisições e infraestrutura do Souto Correa Advogados. “Se numa mesma rua há fiação relacionada a serviços de energia elétrica, telefonia, televisão e internet, é preciso compartilhar o trabalho. Quando enterra um, enterra todos, e são necessários princípios gerais de como tem que ser feito.”
ENTENDA A ANÁLISE
A análise foi feita com base nos dados geográficos de 2023 entregues pelas empresas à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Os relatórios se baseiam na área total de atuação das concessionárias em cada região, não somente na capital. A visualização exibe a rede subterrânea de média tensão, que leva a energia aos transformadores. Estes, por sua vez, abastecem a rede de baixa tensão, que chega aos imóveis.
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