Pessoas diagnosticadas com a doença de Crohn esperam há mais de oito meses a oferta de um novo medicamento no Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, só está disponível um tipo de remédio para a doença inflamatória intestinal considerada rara, que afeta mais de 140 mil pessoas no Brasil. O ustequinumabe foi incorporado à lista em janeiro deste ano para o grau ativo moderado e grave, mas segue com dificuldade de ser encontrado.
Sem o tratamento adequado, a qualidade de vida dos pacientes fica extremamente comprometida, como afirma Marta Brenner Machado, médica gastroenterologista e presidente da Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn (ABCD). “Nós estamos falando de uma doença muito grave, extremamente debilitante, progressiva e incurável até o momento”, enfatiza.
“As manifestações dessa doença impedem as pessoas de fazerem as suas atividades normais, pois evacuam inúmeras vezes por dia, sentem dor, emagrecimento, sangramento, febre, náusea, vômito, distensão abdominal”, explica a especialista, que afirmou que a evolução da doença causa várias complicações, como perfuração do intestino, necessidade de usar bolsa de ostomia, fazer nutrição parental, e até chega ao óbito, se não for devidamente tratado.
A situação extrema foi vivida por Júlia Assis, 49 anos, diagnosticada com a doença em 1997. “Lá atrás não existia nem informação sobre a doença, foi uma luta o início da jornada, porque realmente era muito difícil e quase ninguém conhecia. Toda dificuldade de acesso ao conhecimento e a falta de medicamento fez com que eu negasse muito a doença, mentia para a minha família porque eu não queria ser a pessoa doente”, conta.
Em 2002, ela teve uma perfuração intestinal que quase a levou a óbito. “Fiquei quase três meses internada e quando tive alta cheguei a pesar 37 quilos, fiquei em uma cadeira de rodas e usei bolsa de ostomia. Eu sou dentista, trabalhava e tive que de afastar, fechei consultório por conta disso, impactou completamente minha vida”, relata a paciente, que hoje é presidente da Associação do Leste Mineiro de Doenças Inflamatórias Intestinais (ALEMDII).
Atualmente, Júlia considera que tem uma vida “normal”, dentro das limitações de tomar medicação e fazer consultas rotineiras, já que toma um remédio fornecido do SUS. No entanto, a medicação já foi trocada algumas vezes, pois uma das características da doença é que o remédio utilizado vai deixando de fazer efeito ao longo do tempo.
Para a doença de Crohn são utilizadas algumas terapias avançadas com imunobiológicos, que podem ser da família anti-TFN (infliximabe, adalimumabe e certolizumabe pegol) ou um inibidor seletivo (ustequinumabe).
Dificuldade no tratamento
Segundo a médica gastroenterologista Munique Kurtz de Mello, membro da Organização Brasileira de Doença de Crohn e Colite (GEDIIB), entre os pacientes, cerca de 20% a 40% deixam de responder a um medicamento específico ao longo do tempo. Nesses casos, é necessário usar outra classe de remédios, como o ustequinumabe, que segue indisponível no SUS.
Júlia afirma que o endividamento é uma das principais causas para que os pacientes não realizarem o tratamento e acabarem tendo complicações graves da doença. De acordo com ela, quando ela não tomava o remédio do SUS, o salário de um mês inteiro pagava somente um terço das medicações necessárias para ficar sem dores.
O ustequinumabe, por exemplo, custa cerca de R$ 42 mil. A medicação foi aprovada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), em 22 de janeiro. O Ministério da Saúde teria o prazo de 180 dias para começar a oferecer o medicamento gratuitamente, o que não foi cumprido, isso tem gerado revolta entre pacientes e na comunidade médica.
“As pessoas lutam por isso [a incorporação do ustequinumabe] porque sabem que teve a incorporação, que fizeram consulta pública e foi aprovado. São muitos pacientes precisando. Quem precisa desse já usou todos os outros [oferecidos pelo SUS] e não deu efeito ou parou de ter efeito. É muito triste ver que o remédio que a pessoa precisa existe, mas que ela não pode pegar”, lamenta Júlia.
A médica Marta Brenner Machado acrescenta que algumas pessoas também são alérgicas aos três medicamentos fornecidos pelo SUS e precisam de outra opção gratuita. “Não é suficiente nós termos apenas uma classe de medicamentos disponíveis no SUS. A incorporação do ustequinumabe é muitíssimo bem-vinda porque nós temos uma nova classe de medicamentos, uma classe mais seletiva de ação no processo inflamatório e também temos a oportunidade daquele paciente que tem perda de resposta a outros, responder a esse”, comenta.
Ao Correio, o Ministério da Saúde afirma que pode haver a prorrogação no prazo após a aprovação e, com o adiamento, o medicamento deve ser disponibilizado até outubro. “O Ministério da Saúde tem um prazo de 180 dias, com possibilidade de prorrogação por mais 90 dias, para efetivar a oferta do medicamento no SUS. Atualmente, a pasta trabalha na atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para Doença de Crohn”, informa em nota.
Impactos sociais
Para médicos e pacientes, a espera é agoniante, mas a esperança de que as pessoas com doença de Crohn tenham uma vida normal é maior. “A parcela mais atingida da população são adultos jovens, em plena idade laboral ou mesmo naquele momento de decidir a carreira, constituir família”, comenta a gastroenterologista Munique Kurtz de Mello.
A médica Marta Brenner Machado, lembra ainda da situação financeira de quem necessita de tratamento. “Os pacientes têm muita dificuldade em ficar no emprego se a doença não está bem tratada, com múltiplas ausências, o absenteísmo é muito recorrente nesses casos. O uso de atestados e de seguro-saúde também”, conta. “O gasto dessa doença no sistema público de saúde em pacientes que estão incapacitados de trabalhar ou ficam na dependência de um plano para poder trabalhar é enorme”, acrescenta.
Para Júlia, um lembrete é fundamental: “Esse paciente pode ser um filho, uma mãe ou você mesma. É sempre o amor de alguém, e precisa ser cuidado”.
Doença de Chron
- O que é? É uma doença inflamatória crônica no intestino, considerada rara, sem cura e progressiva.
- Como é diagnosticada? Através da associação de exames médicos de sangue, fezes, imagem e também histórico do paciente.
- Qual tratamento? São utilizadas algumas terapias avançadas com imunobiológicos, que podem ser da família anti-TFN (infliximabe, adalimumabe e certolizumabe pegol) ou um inibidor seletivo (ustequinumabe).
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