A falta de cobertura vacinal infantil no país gera preocupações quanto à proteção de crianças contra doenças preveníveis por vacinação. A partir de dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, o Correio compilou os registros de imunização infantil dos últimos cinco anos. O resultado aponta que o país começa a reverter a queda nos indicadores vacinais, números que se acentuaram durante a pandemia de covid-19.
Em 2023, o Ministério da Saúde lançou o Movimento Nacional pela Vacinação para a saúde pública do país. Esse programa foi uma estratégia para combater a preocupante tendência de queda nas coberturas vacinais, que coloca em risco a proteção das crianças contra diversas doenças. Com a mobilização nacional, os avanços começaram a se tornar evidentes.
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O compromisso com o aumento das coberturas vacinais foi estabelecido desde o início da gestão da ministra da Saúde, Nísia Trindade. Em seu discurso de posse, a ministra enfatizou a retomada das altas coberturas vacinais e do fortalecimento do Programa Nacional de Imunizações (PNI) como pilares para a proteção da população. “Quero destacar, entre algumas iniciativas, a importância da retomada das altas coberturas vacinais e o fortalecimento do PNI.”
No fim do ano passado, pelo menos oito vacinas do calendário infantil registraram um aumento no percentual de imunizados em comparação com o ano anterior: Hepatite A, Pneumocócica (1ª ref), Poliomielite (1ª ref), DTP (1ª ref), Tríplice Viral (1ª dose), Tríplice Viral (2ª dose), Febre Amarela e Meningococo (1ª ref).
Ao Correio, o Ministério da Saúde reafirmou o compromisso prioritário com a retomada das altas coberturas vacinais no Brasil. O objetivo é reconstruir o Sistema Único de Saúde (SUS), fortalecer a confiança da população nas vacinas e promover uma cultura de vacinação no país.
“Retomar as altas coberturas vacinais é prioridade do Ministério da Saúde. Desde 2023, uma série de ações vêm sendo realizadas para reconstrução do SUS. O Ministério promoveu ações de microplanejamento nos estados, com estratégias voltadas para a realidade de cada território e ampliação dos repasses financeiros para os estados, que resultaram no aumento da cobertura de pelo menos oito vacinas do calendário infantil. O resultado aponta para a reversão da tendência de queda dos índices vacinais que o Brasil enfrenta há cerca de sete anos”, informou a pasta, em nota.
Ação estratégica
Uma das conquistas mais expressivas foi o aumento das coberturas vacinais em mais de 700 municípios, que alcançaram a meta do governo, de 95% de vacinação, em 2023, nas vacinas contra doenças como DTP, Poliomielite e Hepatite A.
Para a assessora em imunização da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Lely Guzmán, a vacinação não é apenas uma medida de saúde pública, mas sim uma estratégia para proteger a vida e a saúde de milhões de pessoas. “A vacinação é uma das principais estratégias de saúde pública que temos à disposição para prevenir doenças de regiões inteiras e salvar vidas”, afirma.
Segundo Lely, a OPAS tem colaborado com o Brasil para ampliar a oferta de vacinas. O microplanejamento nos estados, a vacinação fora das unidades de saúde e a busca ativa de indivíduos não vacinados têm sido aliados.
“Caso contrário, as doenças preveníveis por vacina podem voltar a se espalhar rapidamente, colocando em risco a vida de muitas pessoas, de todas as idades. A vacinação de rotina e extramuros, como em escolas, casas e em espaços públicos são estratégias importantes para aumentar a cobertura vacinal, porque facilitam o acesso, eliminando barreiras geográficas, econômicas, sociais e de outras naturezas”, conta.
Um exemplo é o combate ao sarampo. O Brasil havia recebido o certificado de eliminação da doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2016, mas perdeu esse status devido à reintrodução do vírus e ao surgimento de novos casos. Embora algumas vacinas tenham mantido uma cobertura estável, outras apresentaram crescimento. O aumento na cobertura vacinal, especialmente na primeira dose da vacina Tríplice Viral, que protege contra sarampo, rubéola e caxumba, foi o maior destaque do último ano, alcançando uma porcentagem de 96,7% de crianças vacinadas. A cobertura da segunda dose da vacina Tríplice Viral aumentou, mas ainda permanece em um patamar considerado baixo, com uma elevação de 57,6% para 64,9%.
Pandemia
O objetivo principal do Movimento Nacional pela Vacinação é resgatar a confiança da população brasileira nos imunizantes e reavivar a cultura de vacinação, que por décadas foi um dos pilares da saúde pública do país. Em meio à pandemia de covid-19, a vacinação tornou-se ainda mais importante, levando à convocação da população para completar os esquemas vacinais contra a doença e atualizar outras vacinas do Calendário Nacional de Vacinação, especialmente por meio da multivacinação de crianças e adolescentes.
Apesar das iniciativas do governo e das autoridades de saúde, a hesitação dos pais e responsáveis, aliada à disponibilidade das vacinas, foi um problema para elevar o percentual de imunizados. Segundo o Observatório de Saúde na Infância (Observa Infância), apenas 11,4% dos jovens com menos de 14 anos receberam as três doses do imunizante da covid-19. Isso se refletiu na queda da cobertura vacinal para vacinas como a BCG, que protege contra a tuberculose, e a Hepatite B, administrada até 30 dias após o nascimento. A baixa procura por essas imunizações aumenta o risco de retorno de doenças evitáveis e potencialmente graves.
O pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, explica que as taxas de cobertura vacinal no Brasil vêm diminuindo desde 2015 devido a diversos fatores, incluindo acesso limitado e falta de informação sobre as vacinas.
“As diminuições são sentidas a cada ano. Temos uma nova geração agora que não convive mais com casos de paralisia infantil, difteria e coqueluche, entre outras doenças. Até mesmo os profissionais da saúde cobram as carteiras de vacina com menor ênfase do que se fazia no passado. Essa percepção de doenças controladas é um dos principais desmotivadores da vacinação”, aponta.
A crise causada pela pandemia de covid-19 exacerbou ainda mais essa situação. A partir de 2022, observou-se uma reversão dessa tendência de queda e, em 2023, ocorreu uma melhora parcial nas taxas de cobertura vacinal. Kfouri sublinha que esse progresso foi resultado de um esforço de microplanejamento, considerando as características específicas de cada região e as razões subjacentes pelas quais algumas comunidades deixavam de vacinar suas crianças.
“Temos um calendário de vacinas que obriga a família a ir praticamente todo mês no primeiro ano de vida levar seu filho para vacinar, o que nos dias de hoje não é fácil. Precisamos de estratégias de vacinação para cada localidade. O que leva alguém a não se vacinar numa grande metrópole não é o mesmo motivo para uma população ribeirinha ou do interior. É importante entender essas diferenças”, observa.
O especialista cita outras razões. “A politização da saúde e, especialmente, das vacinas trouxe um prejuízo não só para a pandemia de covid-19, mas respingou em toda a confiança da população na vacina. Nós precisamos recuperar essa confiança”, completa.
Um dos principais problemas enfrentados na imunização infantil é o sub-registro de vacinas aplicadas logo após o nascimento, como a BCG, registrando uma cobertura de 69,9%, e a vacina contra Hepatite B, com 71,2%. Esses números estão abaixo das metas estabelecidas, destacados na tabela de metas de cobertura. De acordo com o pediatra, solucionar a questão iria aumentar as taxas de cobertura vacinal.
“Há um grave problema de registro de vacinas aplicadas ao nascer, dentro da maternidade. Isso porque muitas maternidades não possuem postos de vacinação oficiais e, consequentemente, sub-registram essas doses. Para essa recuperação, é preciso uma customização de cada região e cada local para vacinar as crianças e aumentar as taxas de cobertura”, avalia Renato Kfouri.
Movimento antivacina
O Papilomavírus Humano (HPV) tem sido um dos maiores alvos de desinformação, afetando diretamente na adesão à vacinação contra a infecção sexualmente transmissível. A vacinação registrou um aumento de 30% no último ano, sendo aplicada em duas doses em crianças e adolescentes de 9 a 14 anos.
O Ministério da Saúde considera que um dos fatores para esse aumento foi a implementação da vacinação nas escolas. Em 2023, quase 4 mil cidades brasileiras realizaram campanhas de vacinação nas unidades escolares, facilitando o acesso dos jovens à imunização.
Porém, entre 2018 e 2024, apenas 75,61% das meninas receberam a primeira dose da vacina contra o HPV, e apenas 58,19% retornaram para completar o esquema de duas doses. A situação é ainda mais delicada entre os meninos, com apenas 52,86% tendo recebido a primeira dose e 33,12% completado o esquema vacinal. Os números se encontram abaixo da meta estabelecida pela OMS, que visa vacinar 90% das meninas até os 15 anos com o esquema completo. Por isso, Kfouri aponta o HPV como alvo do movimento antivacina.
“Vacinar os filhos é preocupação com a saúde. Os negacionistas baseiam suas argumentações em crenças religiosas, alegando que a vacinação levará as crianças a iniciar a vida sexual mais cedo. A vacinação não tem relação com a iniciação sexual precoce”, destaca Kfouri. “Isso afeta todas as vacinas! O HPV é uma das vacinas que tem sido mais vítima de desinformação, falsas contraindicações ou de supostos eventos adversos que não existem e que trazem muita preocupação para os pais. Vemos pais vacinados e protegidos com receio de proteger seus filhos”, alerta o pediatra.
*Estagiária sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza
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