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Anuário de Segurança Pública: crimes contra mulher aumentam no Brasil

No Brasil, a violência parece ter destinatário recorrente: as mulheres. Ameaça, agressão, feminicídio e outros crimes contra as brasileiras registraram aumento no último ano. A cada seis minutos, por exemplo, foi registrado um caso de estupro — 6% a mais em relação a 2022. As estatísticas, que evidenciam as mazelas sociais, estão no 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira.

Os dados mostram que a violência sexual aumenta desde 2020 — quando eram 63 mil casos. Em 2023, foram 84 mil ocorrências. Considerando a série história da pesquisa, entre 2011 e 2023, o número de estupros cresceu 91%. Entre as vítimas desse crime, 88% são do sexo feminino e 62% são meninas menores de 13 anos.

Vitória Diniz, especialista em direito penal com ênfase em Violência de Gênero e Proteção de Crianças e Adolescentes, entende que a persistência da violência contra mulher pode ser atribuída a fatores complexos e multifacetados. “Juridicamente, a persistência e o crescimento desses crimes refletem falhas estruturais na aplicação e na efetividade das leis de proteção às mulheres e crianças. A cultura patriarcal e machista, profundamente enraizada na sociedade brasileira, contribui para a normalização da violência de gênero e para a perpetuação de comportamentos abusivos”, explica Diniz.

As mulheres não estão seguras nem dentro de casa. A pesquisa mostra que 62% dos estupros e 64% dos feminicídios ocorrem nas residências. Na maioria das vezes (63%), os assassinatos foram cometidos pelos parceiros das vítimas ou ex-parceiro (21%). Em 13% dos 1.467 feminicídios ocorridos em 2023, as mulheres já tinham uma medida protetiva de urgência ativa quando foram mortas.

Para Marina Bohnenberger, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o crescente número de feminicídios pode ser explicado pela “teoria do backlash” — ela supõe que a rejeição pública a um tipo de decisão judicial (como o feminicídio) ocasiona ainda mais ações violentas. “Quando minorias começam a se empoderar, a visibilidade sobre o tipo de violência aumenta. No entanto, as pessoas que exercem poder sobre elas ficam insatisfeitas com esse empoderamento. É como uma violência de retorno para reafirmar a vulnerabilidade desses grupos violentados”, explica Bohnenberger. Ela também coloca como grupo vulnerável as mulheres negras — que representam 52% das mulheres estupradas e 64% das vítimas de feminicídio.

Mais vulneráveis

As meninas fazem parte do grupo mais agredido no Brasil. Os dados mostram que 76% das vítimas de violência sexual são vulneráveis (menores de 14 anos) e que, nesses casos, 64% dos agressores são familiares e 22%, conhecidos da família. O local mais perigoso para as crianças, segundo o estudo, é a própria casa (65%).

Entre os menores, a faixa etária em que mais ocorre o crime é de 10 a 13 anos (32%), seguido de 5 a 9 anos (18%) e de 0 a 4 anos (11%). O documento trata como “chocante” a última faixa de idade, que atinge bebês, e chega a 68,7 casos por 100 mil habitantes — valor que é quase o dobro da média nacional de estupros, de 41,4 casos/100 mil habitantes.

“O crescimento alarmante dos estupros de vulnerável pode ser explicado por vários fatores, incluindo a maior exposição das crianças à pornografia na internet e a exploração sexual infantil. A legislação brasileira, especialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, prevê proteção especial para crianças e adolescentes, mas sua aplicação é, frequentemente, insuficiente”, comenta Diniz.

Os crimes digitais também representam grande fatia dessas estatísticas. O número de stalking (perseguição por qualquer meio) subiu 34,5%, com 77 mil registros. As ameaças registraram 779 mil casos, um aumento de 16,5%. Já as violências psicológicas cresceram 34%, com um total de 38 mil registros.

Diniz argumenta que esse tipo de crime pode estar relacionado à cultura do ódio, comum nas redes sociais. “O aumento das violências psicológicas, como stalking e ameaças, pode ser atribuído ao avanço da tecnologia e à cultura do ódio e da intolerância. As redes sociais e a internet facilitam o cyberbullying e outras formas de violência psicológica, muitas vezes de forma anônima e com grande alcance”, alega.

*Estagiária sob a supervisão de Edla Lula

 

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