A Advocacia-Geral da União (AGU) quer que os oito militares do Exército responsabilizados pela morte do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador de material reciclável Luciano Macedo paguem à União R$ 3,5 milhões, referentes aos acordos de indenização firmados com as famílias das vítimas e homologados pela Justiça Federal. O crime foi cometido em abril de 2019, e os militares acusados foram a julgamento, na Justiça Militar, em 2021.
Na ação de regresso (como é chamado esse tipo de petição), a AGU argumenta que “o comportamento dos militares foi imprudente, desproporcional e contrário às regras de engajamento, tendo em vista que não houve nenhum disparo de arma de fogo contra eles e, mesmo assim, os militares efetuaram centenas de tiros contra pessoas inocentes, que foram atingidas de forma letal”.
“Baseamos as ações de regresso no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, que prevê que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”, explicou o advogado da União Luiz Fernando Pontes Freitas.
Os acordos de indenização com as famílias de Luciano e de Evaldo foram fechados pela AGU em abril e setembro do ano passado, respectivamente. Nos dois casos, ficou acertado que as viúvas também vão receber pensão vitalícia do Estado.
À luz do dia
Em 7 de abril de 2019, o carro em que Evaldo, de 51 anos, levava a família para uma festa foi alvejado por centenas de tiros quando passava por uma rua de Guadalupe, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. O catador de latinhas Luciano Macedo, de 27 anos, que passava pelo local, tentou socorrer o músico, mas também foi baleado. Os tiros foram disparados por uma equipe do Exército, que fazia ronda pela região. O Rio de Janeiro estava, à época, sob regime de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que autoriza a presença das Forças Armadas em ações de segurança pública. A esposa do músico, o filho dele (de sete anos), o sogro e uma amiga conseguiram deixar o carro e sair correndo. Mesmo assim, os militares não pararam de atirar.
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O laudo pericial apontou que foram disparados 257 tiros de vários calibres de pistola e fuzil. Nove atingiram Evaldo, que morreu na hora. Luciano foi atingido três vezes nas costas, passou 11 dias na UTI de um hospital e morreu em decorrência dos ferimentos. A mulher dele, Davana, grávida de cinco meses, viu toda a cena. Ela deu a luz a uma menina, hoje com quatro anos, que nasceu sem conhecer o pai. Vídeos de moradores e testemunhas confirmaram que não houve nenhuma abordagem por parte dos militares, que alvejaram o veículo do músico e o catador sem qualquer aviso prévio.
Doze pessoas foram apontadas pela Polícia como autoras das disparos e denunciadas à Justiça pelo Ministério Público. Dois anos e meio depois, o Tribunal de Justiça Militar condenou oito réus — as penas variaram de 28 a 31 anos de prisão — e absolveu quatro. O Exército defendeu a tese de que o carro de Evaldo tinha sido confundido com o de um bandido.
Na ocasião, o então presidente, Jair Bolsonaro, considerou o caso um “incidente”. “O Exército não matou ninguém, o Exército é do povo. A gente não pode acusar o povo de assassino. Houve um incidente. Houve uma morte. Lamentamos ser um cidadão trabalhador, honesto”, declarou, na época.
Foram condenados Fabio Henrique Souza Braz da Silva, Gabriel Christian Honorato, Gabriel da Silva de Barros Lins, Ítalo da Silva Nunes Romualdo, João Lucas da Costa Gonçalo, Leonardo de Oliveira de Souza, Marlon Conceição da Silva e Matheus Santanna Claudino. O tenente Ítalo Romualdo, que comandava a equipe do Exército, recebeu a maior condenação, de 31 anos e seis meses de prisão em regime fechado. Os outros sete receberam pena de 28 anos de prisão em regime fechado por duplo homicídio e tentativa de homicídio contra o sogro de Evaldo, que também foi atingido. Todos recorrem da sentença em liberdade.
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