Feijó (AC) — As fortes inundações que castigaram o Acre nas últimas semanas tiveram impacto nas aldeias indígenas localizadas às margens de rios. As comunidades sofrem com a falta de comida depois que a força das águas levou grande parte dos cultivos. Na área onde os indígenas plantavam mandioca, milho, cacau e café, sobrou apenas lama. A destruição tornou essa população uma das mais vulneráveis do estado.
Os prejuízos não ficaram apenas na plantação. A água levou também galinhas, porcos e bois criados nessas comunidades. Com o rio cheio da lama arrastada das margens, nem a pesca resta como alternativa para esses povos. A fome ronda os indígenas acreanos.
O governo estadual vem entregando às comunidades cestas básicas, que chegam de barco ou de helicóptero nas aldeias. Na Terra Indígena Katukina-Kaxinawa, moradores de diversas aldeias das etnias Huni Kuin, Shanenawa e Katukina, se reuniram, na semana passada, na aldeia Paroá, na margem do Rio Envira, no município de Feijó (AC), para receber a comitiva que trazia cestas básicas.
Durante a entrega, com a presença do governador do Acre, Gladson Cameli (PP), e da secretária estadual dos Povos Indígenas, Francisca Arara. Ela afirmou que, sem assistência, há risco de se repetir a tragédia que ocorreu com o povo ianomâmi, em Roraima.
“Pode acontecer, sim, como em Roraima com os ianomâmis. A desnutrição é o que nos preocupa mais agora. Com essa enchente, o alagamento detonou tudo! É só ver as fotos que os parentes (indígenas) mandam: Olha aqui as nossas bananas, olha aqui a nossa roça”, mostra a secretária, que é indígena do povo Arara.
Ela ressalta o esforço do governo no socorro às comunidades indígenas e reforça o compromisso, como secretária e membro dos Arara, com seu povo.
“Quando organizamos a entrega das cestas básicas, eu disse (ao governo estadual) que o trabalho pode ser também para dar visibilidade ao Acre, mas não é só para tirar foto. Eu levo o meu trabalho muito a sério, com muita transparência. Nós precisamos firmar políticas públicas não só para agora, mas também para depois”, afirma. “Tem que ter uma política afirmativa para o Acre ser referência. Eu sei quem eu sou. Sou governo, mas também sou indígena. Então tenho compromisso com o meu povo, com minha pauta e com meu trabalho”, sustenta a secretária.
Apesar da crise que vivem os indígenas, Francisca Arara avalia que a situação no Acre ainda é muito melhor que em outros estados do Brasil. “A gente precisa se alertar com o que está acontecendo em outros estados, porque aqui a gente ainda vive em um paraíso. Em outros lugares, os parentes vão dormir vivos e acordam mortos”, lamenta.
Novas sementes
Diante da presença do governador, as lideranças indígenas pediram ajuda ao estado para voltar a produzir seus alimentos. “A maioria das aldeias foram atingidas e precisam de ajuda. O que foi perdido vamos plantar de novo com ajuda de sementes e ferramentas. Com esse auxílio, vamos superar os problemas deixados pela cheia”, disse o cacique da Aldeia São Francisco, Rubem Barbosa.
Edilson Brandão, cacique da Aldeia Nova Vida do povo Shanenawa, representando outras 15 comunidades, falou da necessidade de reconstrução. “Precisamos, sobretudo, de um empenho na produção em parceria com estado para fortalecer a nossa segurança alimentar”, comentou.
Já o cacique da Aldeia Paroá, Mário Kaxinawa, acrescentou que a ajuda é necessária para que os indígenas permaneçam na terra depois da alagação. “Muitas roças ficaram dentro de igapós (planícies que alagam) que cresceram com a cheia dos rios. Isso pode fazer com que mais indígenas abandonem as suas terras para passar dificuldades na cidade. Precisamos chamar o pessoal para continuar a viver nas aldeias,” reivindicou.
Logo depois de o governador deixar a aldeia, a reunião no galpão em meio às casas se dispersou. Nesse momento, pouco antes da reportagem embarcar no helicóptero de volta à cidade, era possível escutar mulheres, que cuidavam das crianças menores, comemorando a chegada dos alimentos. Naquela noite, diziam, “a barriga vai ficar cheia”.
Apoio determinado pela Justiça
Ao chegar ao pequeno aeroporto de Feijó, no Acre, a maior aeronave que se avista no terminal é um helicóptero militar do Exército. O equipamento é um dos utilizados para a entrega de ajuda humanitária na região.
Mas o apoio logístico da União precisou de uma interferência da Justiça Federal do Acre. Após um pedido protocolado pelo Ministério Público, o Judiciário cobrou o apoio logístico do governo federal para a entrega de cestas básicas e de água potável nas comunidades afetadas.
A liminar determinou que a União deve fornecer o suporte logístico de helicópteros para a entrega da ajuda humanitária disponibilizada pela Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas do governo estadual.
Na petição, o Ministério Público Federal (MPF) destacou os relatos de membros das comunidades indígenas sobre a perda das plantações com os roçados inundados, fazendo diversos povos indígenas perderem uma das únicas fontes de alimento disponível.
Segundo o MPF, a iniciativa foi motivada pela falta de resposta da Secretaria Nacional de Defesa Civil ao pedido do governo do Acre de apoio aéreo para o atendimento dessas populações isoladas no estado.
Feijó, distante 360km da capital, decretou situação de emergência depois das inundações deste ano. As populações indígenas e ribeirinhas foram as mais afetadas. Roçados e fontes de água potável ficaram soterrados pela lama em diversas aldeias. A situação deixou essas comunidades em extrema insegurança alimentar e hídrica
*O repórter e o fotógrafo viajaram a convite do governo do Acre.
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