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Conferência dos oceanos em Nice pedirá urgência no combate à poluição marítima

O embaixador dos polos e dos assuntos marítimos da França, Olivier Poivre d’Arvor, está no Brasil para encontrar figuras políticas nacionais para conversar sobre a importância da proteção dos oceanos. Em coletiva de imprensa na residência da Embaixada da França em Brasília, nessa terça-feira (22/10), d’Arvor comentou sobre a Conferência de Nice — evento que vai reunir países, líderes mundiais, ONGs e cientistas para discutir a emergência em cuidar dos oceanos —, bem como dados de poluição dos mares e seu objetivo nessa empreitada.

Olivier esteve reunido no Itamaraty, ontem, para apresentar a Conferência e unir forças com o Brasil pela causa dos oceanos. Com uma agenda abarrotada, o embaixador esteve, antes disso, com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), e com a equipe da prefeitura da capital carioca. E em sua maratona, ainda esta semana, se encontrará com os prefeitos de Salvador, Recife, São Paulo, e com os governadores dos respectivos estados. 

De Nice até Belém

De acordo com o embaixador, o objetivo é fazer com haja um anúncio, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente da França, Emmanuel Macron, sobre a conferência de Nice durante a reunião do G20 este ano, que acontecerá no Pará. “Eu estou aqui em Brasília para construir com o Brasil uma agenda comum que chamamos hoje de Nice até Belém. Tive reações fantásticas, de fato, junto à Presidência com o Ministério das Relações Exteriores, onde estive agora há pouco com todo o universo científico”, disse durante o encontro de ontem. 

A importância dos oceanos

Segundo Olivier, o conjunto da hidrosfera corresponde a 90% da superfície do planeta, por isso tamanha a importância da saúde dos oceanos e mares. “Os responsáveis das nações unidas e os presidentes da França e da Costa Rica não param de repetir que, no fundo, o que gostaríamos de fazer em 2025, é ‘os 10 anos após a COP do Clima em Paris’, fazer para os oceanos o que foi feito naquela ocasião para o clima”, afirmou durante a coletiva. 

“Espero, principalmente, que consigamos construir coisas ainda mais ambiciosas, nós precisamos colocar esse tema na mesa e, como lhes disse, acho muito importante pensar muito nas autoridades locais e nas autoridades subnacionais”, explicou, comentando o objetivo do encontro com políticos, não só no Brasil, mas em outros países como Índia e China.  

A autoridade abordou também dados importantes que alertam para a necessidade de cuidar dos oceanos agora como forma de prevenção. Segundo o francês, muitas cidades litorâneas deverão sumir devido ao avanço do mar. A capital da Indonésia, inclusive, foi mudada por esta razão. “Como vocês sabem, a elevação está acontecendo em uma progressão dramática. Tem gente que não quer olhar, e, sim, o setor imobiliário e os prefeitos muitas vezes também não querem olhar. Porque muita gente vai precisar sair do litoral. Na África, na França, não só nas pequenas ilhas dos Pacífico ou na Indonésia, onde a capital já foi mudada”, apontou. 

Olivier também ressaltou que os cientistas que pesquisam sobre os oceanos recebem muito menos do que aqueles que estudam o espaço, por exemplo.

“Hoje, os cientistas que trabalham com oceano recebem cerca de 200% vezes menos recursos financeiros para suas pesquisas em relação aos que trabalham com espaço. Ou seja, conhecemos melhor as montanhas da Lua do que a Fossa das Marianas que ficam a 10 mil metros no Pacífico. Conhecemos muito mal o oceano, e isso é um verdadeiro problema porque sem conhecê-lo não conseguiremos explorar, de forma sustentável, os oceanos, nem protegê-lo, ou consertá-lo, restaurá-lo”, afirmou. 

Questionado pelo Correio sobre a importância do Brasil nesta empreitada e sobre os dados recentes de que o país é o oitavo que mais despeja plástico nos oceanos, o embaixador deixou claro que não se trata de culpabilizar qualquer nação. Ainda mais, “na escala de um país grande como o Brasil, que tem, graças ao presidente Lula, um compromisso ambientalista. Isso não é frequente no Brasil. Nas Américas, em sentido amplo, também não. Ou seja, temos um caminho de transição a ser realizado e espero que o Brasil seja ambicioso nas discussões que estão sendo feitas, mesmo que tenha que brigar com alguns aliados que produzem plástico”, respondeu.  

E sobre os dados relativos ao plástico, o embaixador abordou números ainda mais alarmantes. “O plástico era considerado a modernidade absoluta nos anos 60, agora se tornou um veneno que já está em nós e nós não conseguimos nos livrar dele. No Mediterrâneo, considera-se que tem mais toneladas de plástico do que peixe. Ele se transforma em microplástico e estará aí por milênios. Hoje não tem um estômago de pássaro que a gente abre e não tenha plástico”, explicou. 

O papel do Brasil

O o relatório ‘Fragmentos da Destruição: impactos do plástico à biodiversidade marinha brasileira’, feito pela ONG Oceana Brasil, revelou que o Brasil é o oitavo país que mais despeja plástico nos oceanos e o 1º da América Latina. O oceanólogo e diretor-geral da Oceana, Ademilson Zamboni, ressaltou que a falta de políticas públicas brasileiras provocou nesse resultado. 

“Todos os anos, despejamos cerca de 1,3 milhão de toneladas de plástico em nossos mares com impactos diretos na biodiversidade marinha e na saúde pública. Somos um país de dimensão continental, com mais da metade da população vivendo em áreas costeiras e uma produção anual de plásticos de uso único na ordem de 2,95 milhões de toneladas. Em nosso país, nossa falta de ação já se traduz em impactos no equilíbrio dos ecossistemas marinhos, mas não só nisso, pois peixes, aves e mamíferos estão sendo afetados pelo plástico que ingerem, e muito disso tem se transferido para os diferentes níveis da cadeia alimentar, incluindo nossa dieta”, frisou.

Para Marcos Woortmann, cientista político e diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), a participação da conferência de Nice vai ser primordial para o Brasil. “Grandes discussões – e muito estratégicas – serão também realizadas no âmbito desta conferência, como a questão da proteção, da criação de reservas, onde não é permitida a pesca, por exemplo, a exploração também da mineração subterrânea. Então, se o Brasil está se posicionando como um interlocutor qualificado dentro de uma perspectiva de criação, de posicionamento do país enquanto uma potência ambiental, é imprescindível que ele entenda que isso não será refletido apenas na proteção da Amazônia, apenas na proteção da biodiversidade, mas também na proteção dos oceanos, que tão impactante é a formação histórica do próprio país”, afirmou. 

Por fim, para Gabriel Canuto, engenheiro ambiental formado pela Universidade Federal do Ceará e empreendedor tecnológico em Fortaleza, destacou que é fundamental que o Brasil incentive uma “ampla sensibilização acerca da relevância dos oceanos e suas funções cruciais”.

“Isso pode ser alcançado através de ações educativas nas escolas e campanhas de conscientização na mídia. É essencial reforçar a legislação ambiental, o que tem sido realizado pelo governo na legislação, mas sem muita eficácia na prática até agora. Também considero como fundamental a promoção de práticas de viagens e turismo sustentáveis, especialmente nas áreas litorâneas e para as linhas de transportes marítimos e fluvial. Isso pode contribuir para a preservação dos ecossistemas marinhos e atrair investimentos para a conservação. Algo que vemos acontecer de forma ainda muito moderada é a limpeza das praias e dos mares, por meio de ações comunitárias e programas governamentais, que deve ser uma prioridade”, enfatizou o engenheiro. 

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