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Por que tantos evangélicos defendem Israel?

O uso de símbolos como a estrela de David ou a bandeira de Israel se tornou comum em eventos evangélicos no Brasil nos últimos anos.

O apoio a Israel e suas políticas é especialmente polarizante no momento, em que há uma invasão e ataques que duram mais de um ano do país contra o território palestino da Faixa de Gaza, sem contar frentes de batalha abertas no Líbano e contra o Irã.

Embora o apoio de evangélicos a Israel seja especialmente forte entre religiosos ligados ao bolsonarismo, ele não é restrito a esse grupo, explica a antropóloga Jacqueline Teixeira, professora da UnB.

“Você vai encontrar esse apoio também em igrejas do protestantismo histórico, que imigraram dos Estados Unidos”, explica.

O apoio tem um fundo religioso, explicam pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil.

Uma das bases teológicas é uma corrente muito difundida chamada dispensacionalismo que enxerga Israel como uma espécie de “relógio do fim do mundo”.

Além disso, há toda uma identificação dos evangélicos com o Antigo Testamento da Bíblia, que trata basicamente da história sagrada do povo israelita.

Identificação com Israel

O pastor e teólogo Guilherme de Carvalho diz que, para evangélicos como ele, o povo judeu é especial porque o cristianismo surgiu a partir do judaísmo. Ou seja, porque Jesus era judeu e foi criado dentro da religião judaica. E mesmo que Cristo tenha mudado muitos aspectos da religião, o povo judaico ainda teria um lugar especial nos planos divinos.

“A questão existencial de Israel é importante para o cristianismo. Porque o cristianismo saiu da nação judaica, porque o cristianismo perseguiu a nação judaica (e depois se emendou) e porque existem razões teológicas para acreditar que a nação judaica tem ainda um destino cristão”, diz carvalho.

Pastores e teólogos explicam que essa visão faz com que muitos evangélicos fiquem inclinados a apoiar não só o povo judeu, mas o Estado moderno de Israel. Para Guilherme de Carvalho, não dá para separar a existência dos judeus no mundo moderno da existência de Israel.

“É claro que o Estado de Israel não representa o Reino de Deus, não é o Israel bíblico. Mas o Estado moderno de Israel é uma reencarnação histórica das lutas do povo judeu. Isso valida o comportamento nacional de Israel? Não, isso é outra história. Mas se existe uma ameaça existencial ao povo judeu encarnado nesse Estado, então isso importa para os cristãos”, diz ele.

Um fator que reforça essa identificação é que diversas correntes evangélicas dão bastante importância a valores e símbolos do Antigo Testamento — que tem uma visão de Israel como a terra prometida e do povo judaico como escolhido de Deus.

Isso está muito presente entre os pentecostais, mas também acompanhou missionários de outras denominações desde o século 19, segundo a antropóloga Jacqueline Teixeira.

“É nesse período que surge uma inspiração protestante de construir uma relação com o Antigo Testamento, com trechos específicos do Antigo Testamento, então as batalhas do povo de Israel, o período de Escravização, a passagem dos judeus. Tentando trazer sempre essa interpretação de que o processo de libertação instauraria um Estado Literal e seria o cumprimento de uma promessa de Deus do Antigo Testamento”, diz Teixeira.

Dentro da comunidade evangélica, há quem critique essa visão que une Israel histórico e o Estado moderno.

“Se confunde o povo de Deus histórico, a nação de Israel do velho testamento, com o Estado moderno de Israel, com a política sionista”, afirma o pastor e teólogo Alexandre Gonçalves.

Bandeira de Israel durante

AFP via Getty Images
Bandeira de Israel durante ‘Marcha para Jesus’

Relógio do Fim do Mundo

No século 19 também surgiu um outro tipo de pensamento que influencia até hoje a visão de muitos evangélicos sobre o tema.

Se trata de uma corrente teológica que enxerga Israel como uma espécie de relógio do fim do mundo. Teólogos evangélicos explicam que essa corrente é chamada “dispensacionalismo”

A ideia é que Israel seria uma espécie de “sinal divino” para o cristianismo, explica Alexandre Gonçalves, quando um período de crise econômica e escassez deu origem a correntes evangélicas voltadas para a interpretação de profecias e previsões sobre o apocalipse.

“Havia uma interpretação de que, antes do fim do mundo, Deus faria com que o seu povo voltasse para a terra prometida, isso seria um sinal”, explica Gonçalves.

A criação do Estado de Israel em 1948, diz ele, foi entendida por essa corrente como esse sinal de que o fim do mundo está próximo. Ou seja, o relógio do apocalipse teria sido disparado a partir da criação do Estado de Israel, explica Dusilek, e seria necessário prestar muita atenção em tudo o que acontece nesse local.

Para essa corrente, a região é entendida como uma espécie de campo de batalha do fim do mundo, diz Dusilek.

“Ela localiza o fim do mundo em Jerusalém, onde haverá o grande Armagedom, a batalha final entre a luz e as trevas, entre Deus e seus anjos por um lado, e o Diabo e seus demônios por outro lado”, explica Dusilek.

Essa corrente teológica é muito difundida, afirma o teólogo Kenner Terra.

“Muitas vezes, mesmo que a pessoa não conheça essa corrente teológica ou saiba o nome, ela adere a esse pensamento, acaba assimilando essa ideia, que é bastante popular no Brasil”, afirma o pastor e teólogo Kenner Terra. Para essa corrente, explica Terra, sua posição em relação a Israel definiria se você é fiel ou não o povo de Deus.

Cidade de Jerusalem

Getty Images
Jerusalém é importante para judeus, cristãos e muçulmanos

Evangélicos, bolsonarismo e Israel

Apesar do fundo religioso, afirma o teólogo Sergio Dusilek, ex-presidente da Convenção Batista Carioca, a maneira como muitos líderes têm se posicionado sobre o assunto nos últimos anos tem um forte caráter político.

Segundo ele, os líderes têm usado interpretações de conceitos do antigo testamento para se inserirem no espaço público e na política.

“É no primeiro testamento que está a noção de territorialidade, de governo, de uma ação política, teocrática até. Neste sentido, tal apoio ganha um caráter mimético e balizador”, afirma Dusilek. “A questão é que essa inserção se dá com interesses governamentais.”

“O apoio, e aí voltamos ao cerne do fundamentalismo, é de fundo político sob o verniz religioso. A ideia subjacente de certos líderes, ao que parece, é de instaurar um ‘evangelistão’. O primeiro testamento, então, funciona como base desse ideário”, diz ele.

Bolsonaro, diz Dusilek, soube ler bem esse momento e aproveitá-lo politicamente.

“Embora acredite que Bolsonaro não esteja nem aí para esse movimento de apoio ao Estado de Israel, ele fez a leitura correta (e esperta) de que muito da liturgia praticada em muitas igrejas evangélicas incorporou elementos judaicos”, explica Dusilek, que também é pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora.

“O que Bolsonaro fez foi colocar um holofote institucional em uma situação que já estava posta.”

Se o apoio a Israel e à agenda política do país já existia muito antes de Bolsonaro se tornar influente entre evangélicos, o bolsonarismo trouxe uma novidade para esse apoio, segundo Teixeira: o discurso bélico-religioso. Ou seja, a ideia de que uma disputa entre o bem o mal justificaria o uso da violência.

Sua pesquisa tem apontado para “uma aposta em uma naturalização da violência ou da guerra.”

“Tem me chamado a atenção a tentativa de construção de uma justificação ética para os bombardeios, para as políticas de violência e de guerra que Israel tem lançado sobre o povo palestino”, explica Teixeira.

A naturalização entre religiosos de medidas como restrição de comida e água para os palestinos, seria, segundo a pesquisadora, resultado de uma “circulação mais preeminente de imagens do bolsonarismo no contexto das igrejas”, que permitiu uma “naturalização um pouco maior da guerra e da desumanização” dos palestinos.

Alexandre Gonçalves afirma que a noção de que Israel hoje representa os valores de uma “sociedade ocidental judaico-cristã” também foi muito difundida entre conservadores evangélicos a partir da ideia de uma guerra cultural entre esquerda e direita.

“Eu vi muitos jovens da igreja ouvindo o (escritor) Olavo de Carvalho, que difundia essa ideia de guerra cultural”, conta Gonçalves. Por essa perspectiva, defender Israel seria defender esses valores.

Para Kenner Terra, a corrente teológica do dispensacionalismo foi cooptada por tradições conservadoras evangélicas e sionistas, muitas vezes ligadas a um fundamentalismo cristão, para quem essa confusão entre a nação histórica e o Estado moderno de Israel é interessante.“É uma teologia que tem origem nos EUA, país que é aliado histórico de Israel”, afirma o teólogo.

Terra critica esse apoio incondicional que muitos líderes evangélicos dão a Israel hoje.

“É um apoio que ignora uma série de perspectivas históricas, como os tratados internacionais que Israel rompeu, os territórios que tomou e a forma como tratam os palestinos.”

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