Os indígenas tikmu’un, também conhecidos como maxakali, registraram o nome de 33 espécies de abelhas em um canto tradicional chamado papa-mel. Esse povo, que mora na divisa de Minas Gerais com a Bahia e Espírito Santo, guarda um rico conhecimento da biodiversidade da Mata Atlântica e com o registro do nome das abelhas — algumas sob risco de extinção — atuam para eternizar saberes tradicionais da floresta.
Segundo a professora Rosângela Tugny, da Universidade Federal do Sul da Bahia, nas aldeias onde vivem os tikmu’un restam apenas duas das 33 espécies cantadas por eles. No entanto, esses indígenas têm a esperança de que a variedade de insetos, animais e plantas retornem aos territórios como resultado do projeto socioambiental Hãmhi – Terra viva.
A iniciativa conta com o apoio do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do Ministério Público de Minas Gerais e da Plataforma Semente, e é realizado pelo Instituto Opaoká. O projeto desenvolve ações de recuperação ambiental em quatro territórios indígenas do povo Tikmu’un: Terra Indígena Maxakali, Reserva Indígena Aldeia Verde, Reserva Indígena Cachoeirinha e Aldeia-Escola Floresta.
O principal objetivo do Hãmhi – Terra viva é formar 30 agentes agroflorestais tikmu’un, que serão responsáveis pela implementação e manejo da recomposição florestal, aliando conhecimentos tradicionais aos princípios da agroecologia, incluindo a construção de viveiros-escola para garantir a sustentabilidade dos plantios. As mulheres tikmu’un descrevem os viveiros-escola como o “útero da floresta” e as mudas como crianças que necessitam de cuidado.
A professora Rosângela Tugny trabalha com os indígenas desde 2002 e destaca a resistência cultural deles como um dos aspectos mais admiráveis. “Eles têm um grande repertório de canto e de histórias. Uma vida inteira não basta para conhecer e estudá-los. Cada canto é um detalhe de um bicho, porque eles são muito ligados com os animais, eles têm um vínculo com os seres da mata, não são apenas objetos de estudo como são para nós”, frisa a especialista, que estuda musicologia.
Frutos do projeto
De acordo com Carlos Eduardo Ferreira Pinto, promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do Ministério Público de Minas Gerais, depois de 15 meses de projeto, já foram reflorestados 150 hectares das aldeias.
“Espécies de abóbora, melancia, feijão, quiabo, amendoim, milho, maxixe, entre outros, já servem de alimentos para os tikmu’un. O maior marco do projeto é o retorno da água na Aldeia Água Boa. Essa é uma iniciativa capaz de empoderar o povo indígena para que eles cuidem da própria terra. E deve servir de exemplo para as políticas públicas de apoio aos povos originários”, pontua o promotor.
Carlos também destacou que os promotores destinaram recursos para o projeto, que tem previsão de duração de 24 meses. Segundo ele, já foram destinados, até o momento, R$6,2 milhões em medidas compensatórias ambientais. “As comunidades indígenas estão mais vulneráveis aos impactos climáticos e aos crimes ambientais, e cabe ao MPMG tutelar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, citou o promotor.
Veja a letra do canto papa-mel:
quero o mel da arapuá hui hui
quero o mel da moça-branca hui hui
quero o mel do mandaguari-amarelo hui hui
quero o mel do guaraipo hui hui
quero o mel da dona-branca hui hui
quero o mel da uruçu hui hui
ai, eu quero, hui hui
quero o mel do mandaguari-amarelo hui hui
quero o mel do mandaguari-amarelo hui hui
quero o mel da saranhão hui hui
quero o mel da mombucão hui hui
quero o mel da arapuá hui hui
quero o mel da abelha-cachorro hui hui
quero o mel da arapuá hui hui
quero o mel da uruçu hui hui
quero o mel da abelha corta-folha hui hui
quero o mel da mandaçaia hui hui
quero o mel a guaraipo hui hui
quero o mel da abelha pequena hui hui
quero o mel da moça-branca hui hui
quero o mel da uruçu hui hui
quero o mel da abelha-mirim hui hui
quero o mel da dona-branca hui hui
quero o mel da jataí hui hui
quero o mel da iraí hui hui
quero o mel da mombuca hui hui
quero o mel da mombuca hui hui
quero o mel da moça-branca hui hui
quero o mel da puxxokata hui hui
quero o mel da koxkak hui hui
quero o mel da abelha-da-orquídea hui hui
quero o mel da abelha hui hui
quero o mel da pukyãykuxnõg hui hui
quero comer qualquer fruta hui hui
quero comer o fruto da gameleira hui hui
quero comer mamão hui hui
quero comer jenipapo hui hui
quero comer cajá hui hui
quero comer o fruto da embaúba-branca hui hui
quero comer abacaxi hui hui
quero comer maracujá hui hui
quero comer o fruto da embaúba do brejo hui hui
quero comer a fruta da semente grande hui hui
quero comer jabuticaba hui hui
quero comer manga hui hui
quero comer a fruta igual jabuticaba hui hui
quero comer banana hui hui
quero comer cana hui hui
quero comer jaca hui hui
hãã
Quem são os tikmu’un?
Os tikmu’un são uma população de 2.850 indígenas que moram em aldeias e uma escola-aldeia situadas nos municípios mineiros de Teófilo Otoni, Ladainha, Santa Helena de Minas e Bertópolis. Eles são falantes da língua Maxakali.
De acordo com a professora Rosângela, esses indígenas sofreram e ainda com a devastação ambiental do bioma Mata Atlântica. “É uma população que viveu um processo muito violento de colonização, assim como os outros povos do Brasil, mas eles viveram isso antes, pois viviam na Bahia, no Espírito Santo, nas margens do Rio Doce, de vários rios do sul baiano, no Jequitinhonha”, explica.
“Eles foram se espremendo no local que hoje é a Terra Indígena Maxakali, considerada tradicional. Mas essa terra sofreu muita degradação ambiental por conta das atividades agropastoris, durante a ditadura militar também sofreu uma perda enorme de árvores. A população indígena enfrenta insegurança alimentar, desnutrição infantil e falta de água potável. A água que você vê eles bebendo, se for feito um teste vai encontrar excesso de ferro e coliformes fecais. Isso é uma coisa que só agora está começando a ser resolvido”, acrescenta a professora.
No ano passado, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) iniciou as tratativas para a criação da Rede de Proteção Social do Povo Maxakali. A iniciativa busca garantir o acesso dos indígenas a direitos sociais, por meio de ações integradas entre diferentes órgãos e instituições.
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