A tragédia no Rio Grande do Sul já afetou diretamente 850 mil pessoas em 341 municípios. Até o momento, 78 pessoas morreram em decorrência dos estragos das chuvas e outras 105 seguem desaparecidas. Com água cobrindo casas até o telhado, dezenas de pessoas estão ilhadas à espera de resgate aéreo ou de barcos. O Correio conversou com quem enfrentou o momento de desespero ao deixar sua casa e com um voluntário que passou o fim de semana auxiliando em resgates.
“Era meio-dia de sexta-feira quando os bueiros começaram a botar água para fora. Eu moro no terceiro andar, às 16h a água já estava nas escadas do primeiro. Eu tenho uma mãe idosa de 79 anos, não conseguiria sair sem ajuda. Às 20h a água já estava avançando no prédio e conseguiram nos resgatar de jipe”, relembra a vendedora Darlene Ferreira, de 51 anos, que mora em um dos bairros afetados pela cheia do lago Guaíba, em Porto Alegre, que chegou ao marco histórico de 5,35 metros ontem.
A capital e região metropolitana são os locais mais afetados no momento, após a região central e serrana serem duramente castigadas. Apesar de estar segura e em um lugar seco, a situação ainda é “angustiante”, segundo Darlane. Seu irmão vive no bairro Humaitá, um dos mais inundados da capital, incomunicável e ilhado no local.
Ela conta que a sogra, a esposa e o filho dele foram resgatados no sábado, mas, por conta da ordem de prioridade dos resgates, ele precisou ficar. De acordo com Darlane, crianças e idosos foram levados primeiro. “Ele está em um apartamento que não tem mais água, luz, comida, sem comunicação nenhuma”, conta.
Sem saber se ele já conseguiu sair do local, ela conta que voluntários que tentam ajudar ainda encaram uma onda de violência. “Ladrões estão roubando jet skis e barcos que estão tentando ajudar”, lamenta a gaúcha.
O corretor de imóveis Felipe Peres, 42 anos, foi um dos voluntários que saiu de Xangri-lá, a cerca de 150 quilômetros de Porto Alegre, para ajudar vítimas das chuvas no fim de semana. A motivação foi puramente a vontade de ajudar. Junto a um grupo de quase 100 amigos, eles levaram jet skis e barcos para trabalhar no resgate de pessoas em Canoas, na região metropolitana.
“Nunca achei que ia ver uma situação daquela, é uma tristeza muito grande. Pessoas saindo de dentro da água desesperadas, sem noção do que está acontecendo ou do que vai acontecer com elas. Abala muito o psicológico, é bem difícil de aceitar tanta gente passando por aquilo, crianças recém-nascidas, mulheres grávidas”, relembra emocionado.
Ele conta que enfrentou o desafio de convencer alguns que não queriam deixar suas casas. “Muitas pessoas diziam que não iam sair, que iam esperar a água baixar e a gente dizia que não tinha o que fazer, que já tinha perdido tudo e que o mais importante naquele momento seria a vida delas. Os que mais resistem são os que têm casa de dois pisos, que ficam na parte de cima, no telhado… Pessoas mais idosas também são muito difíceis de convencer”, conta.
Ele diz ainda que o número de integrantes nos barcos de resgate também precisou ser reduzido, pois as pessoas só aceitavam serem levadas se pudessem levar seus animais de estimação.
Pelo menos 20 mil pessoas foram salvas em ações de resgate. Além dos civis, que chegaram a protagonizar um cordão humano na tentativa de resgatar ilhados, 14,5 mil pessoas foram deslocadas pelo governo federal para ações de ajuda humanitária e recuperação de estruturas. Cerca de 25 mil resgates aéreos, terrestres e fluviais já foram realizados pelas Forças Armadas, segundo informação do governo.
Trégua
Os próximos dias serão de trégua na chuva e temperatura amena na capital gaúcha — o que deve auxiliar nos resgates. A previsão do tempo do MetSul Meteorologia prevê, no entanto, que a partir de quinta-feira as temperaturas podem chegar a 12ºC e a chuva retorna.
Com o agravamento do frio, a situação pode ficar ainda mais crítica. Há um alerta dos meteorologistas para a região da Lagoa dos Patos, que deve receber parte do alto volume de água do Guaíba e pode causar “inundações severas” em cidades como Pelotas e Rio Grande.
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