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Desembargador muda voto após insinuar que vítima de assédio era “sonsa”

O desembargador Silvânio de Alvarenga, do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), insinuou durante um julgamento que a mulher que realizou a denúncia após ter sido assediada por um pastor Davi Passamani, então sacerdote da Igreja A Casa, em Goiânia, teria sido “muito sonsa”.

Ele ainda citou uma “caça aos homens” durante a sessão na 6ª Câmara Cível do TJ-GO, em 19 de março, quando o recurso de reparação de danos da vítima era analisado. Após a denúncia por assédio, três ex-integrantes da congregação também denunciaram o pastor por situações semelhantes.

“Essa caça aos homens… Daqui a pouco não vai ter nem encontro. Como você vai ter relacionamento com uma mulher, se não tiver um ‘ataque’? Vamos colocar ‘ataque’ entre aspas (…) Ela mesma falou que era sonsa… Se ela não foi muito sonsa”, declarou Alvarenga.

Ainda na sessão, Alvarenga questionou o que chama de “rigor moral”. “Não sei se a gente deve levar a questão moral a ferro e a fogo (…) Nos Estados Unidos, eu vi uma situação vexatória, me contaram uma coisa sobre uma determinada empresa que os homens não estavam chamando as mulheres para as festas que aconteciam. Achei isso horrível”, disse o desembargador.

Em outro momento do julgamento, um segundo desembargador presente, Jeová Sardinha, declarou se sentir “cético” em relação às denúncias de assédio sexual, moral, violência de gênero e racismo. Ainda de acordo com o desembargador, pautas desse gênero teriam virado “modismo”.

“Esses dois temas viraram um modismo. Não é à toa, não é brincadeira (…) com muita frequência que estão sendo usados e explorados (…) Nós temos que ter uma certa cautela para julgar e entender e compreender estas questões. Porque, para uma pessoa, pode ser um assédio moral, às vezes, uma discriminação racista e, para outra pessoa, não. Faz parte do jogo, faz parte da profissão, do trabalho dela”, disse Sardinha.

Na sessão em questão, os magistrados analisaram uma ação movida pela mulher onde é pedida uma reparação por danos morais. A denúncia de assédio movida pela mulher chegou a passar pela esfera criminal, mas foi arquivada por “falta de provas”. No âmbito cível, os desembargadores julgam a indenização, e, não, o assédio.

Inicialmente, o voto de Silvânio de Alvarenga foi contrário à vítima, mas em nova sessão realizada posteriormente, o desembargador alterou o voto, e a vítima conseguiu sentença favorável ao pagamento da indenização.

A vítima

Segundo informações da TV Anhanguera, a vítima teria registrado a denúncia no dia seguinte ao assédio. De acordo com depoimento, o pastor enviou uma mensagem de texto onde inicialmente perguntou se estava tudo bem e logo depois, sobre o namorado dela, descobrindo assim que o relacionamento havia acabado.

Em seguida, Davi pede que a vítima faça algumas confissões e passa a narrar uma fantasia sexual. Ainda segundo a mulher, ele fez uma chamada de vídeo, mostrou o pênis, desligou a câmera e iniciou uma masturbação. Então, desligou o celular e enviou novas mensagens. Ela não respondeu.

Taísa Steter, advogada da vítima, afirma que houve “um verdadeiro julgamento moral” da denunciante, e diz que os magistrados “colocaram a vítima na posição de ter contribuído para a ocorrência da violência”. “Desqualificar a vítima e enaltecer as falas do violentador é uma prática do senso comum. Contudo, os desembargadores não fazem parte do senso comum. Pelo contrário. Eles têm o dever de serem imparciais e julgarem o caso conforme as provas do processo, afastando vieses ceticistas ou crenças demasiadas’, diz a advogada.

Ainda de acordo com a advogada, é importante que haja uma retratação por parte dos desembargadores. “Falas como essas deixam claro que ainda precisamos avançar muito para termos o mínimo. Ainda estamos expostas ao risco da condenação moral de homens fortalecidos por um sistema lucrativo de impunidades. Todos os casos de violência contra a dignidade sexual das mulheres se iniciam num contexto de assédio moral. E não há como negar. Ainda há tempo para que os desembargadores retratem suas falas e analisem o processo com precisão técnica”, afirmou Taísa.

O que diz o TJGO

Procurado pelo Correio Braziliense, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) informou que não comenta sobre casos e decisões.

Por meio de nota, o desembargador Silvânio Divino de Alvarenga esclareceu que os questionamentos foram feitos na busca do amadurecimento e da compreensão integral do caso em questão. “No contexto do julgamento complexo em andamento, que atualmente está sob minha análise após ter pedido vista dos autos na sessão relatada, esclareço que fiz questionamentos na busca do amadurecimento e da compreensão integral do caso em questão. Minha abordagem, ao levantar hipóteses e situações hipotéticas, tem como objetivo explorar a verdade real do processo, garantindo que nenhum aspecto seja negligenciado de ambos os lados”, disse por meio de nota ao Correio.

O desembargador Jeová Sardinha também esclareceu que sua intenção, no contexto do julgamento, foi de enfatizar a importância de uma análise cuidadosa de cada caso. “Antes de tudo quero falar que reconheço a seriedade e a prevalência do machismo e do racismo em nossa sociedade. Minha intenção, naquele contexto, ao abordar temas delicados como assédio e racismo, foi enfatizar a importância de uma análise cuidadosa e contextual de cada caso, para evitar julgamentos precipitados e erros. Entendo que a escolha de minhas palavras ditas no calor de voto verbal, até com erros de vernáculo, não dizem respeito ao caso concreto”. disse Sardinha, por meio de nota.

 

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