Os próximos dias de março de 2024 devem ser marcados por calor intenso em diversas regiões do país, com áreas que devem ter ao menos 5°C acima da média mensal.
Por trás disso estão, por exemplo, fenômenos globais como o El Niño e as mudanças climáticas, mas isso também envolve um processo chamado “domo de calor“.
Também conhecido como bolha de calor ou onda de calor, o fenômeno é marcado pelo aprisionamento de uma grande massa de ar quente numa determinada região, que funciona como uma “tampa” na atmosfera, o que impede a chegada de frentes frias ou chuvas e faz os termômetros subirem drasticamente.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a previsão indica que esse sistema atuará pelo centro-sul do Brasil (Sul, Sudeste e Centro-Oeste) ao longo desta semana, podendo se estender um pouco até o fim de semana.
A previsão inicial é de que as principais áreas afetadas com as maiores temperaturas nesta semana no país sejam Mato Grosso do Sul, centro-oeste de São Paulo, áreas entre o oeste do Rio Grande do Sul e o norte do Paraná. Em alguns pontos dessas regiões, as temperaturas podem atingir 40° C, segundo o Inmet.
Já entre 16 e 20 de março, dia do início do outono, a onda de calor será mais intensa especialmente no Sudeste e no Centro-Oeste.
“O centro do sistema de alta pressão atmosférica vai se mover gradualmente (nos próximos dias) em direção a São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. Nos últimos dias deste verão, este centro de alta pressão ficará sobre o Sudeste”, explica a meteorologista Josélia Pegorim, do Climatempo.
Apesar das previsões, o Inmet frisa que é importante acompanhar o dia a dia das atualizações da previsão do tempo. Isso porque argumenta que as mudanças nos padrões meteorológicos costumam ocorrer muito rapidamente no atual período, entre fim do verão e começo do outono.
Em meio às previsões de calor intenso no país, muitos podem se perguntar: afinal, como acontece a formação desses “domos de calor” e como eles acabam? A BBC News Brasil explica abaixo.
Tampa na panela
A pesquisadora Marina Hirota, professora associada da Universidade Federal de Santa Catarina, explica que esse fenômeno também é conhecido entre os especialistas como bloqueio atmosférico.
“E o que isso significa? Na atmosfera, se forma um sistema que impede qualquer outro fenômeno meteorológico, como chuvas ou frentes frias”, explica ela.
“É como se fosse uma grande bolha de ar quente”, compara a especialista.
Essa massa de ar circula de forma vertical, de cima para baixo.
Para completar, o ar quente não consegue se dissipar porque existe uma alta pressão atmosférica que “empurra” essa massa calorosa para baixo, em direção à superfície terrestre.
Conforme desce, essa massa de ar quente passa por um processo de compressão, o que gera ainda mais calor.
Essa região de alta pressão atmosférica funciona praticamente como a tampa de uma panela. Ele retém o calor dentro de um espaço definido — no caso do domo atual, é uma área grande e que abrange vários Estados brasileiros.
Há uma questão importante nesse fenômeno. “O bloqueio atmosférico pode permanecer por vários dias. E quanto mais ele dura, mais intenso pode ficar”, destaca Hirota.
“Mas não é comum que esse bloqueio atmosférico se prolongue por muitos dias, como está acontecendo agora”, acrescenta ela.
Como a massa de ar quente impede a chegada de nuvens mais densas, outro efeito dela é ampliar a incidência de raios solares. Isso, num cenário de primavera e verão (quando há mais radiação solar), deixa tudo mais quente e seco.
Hirota destaca que esse tipo de configuração de massas de ar costuma acontecer naturalmente no Sudeste e no Centro-Oeste do Brasil durante o período de inverno.
“Só que não há um aumento da temperatura, porque há menos radiação solar nesse período”, lembra ela.
“Esses dias são costumeiramente bem abertos, frios, com bastante Sol e poucas nuvens”, complementa a pesquisadora.
Eventualmente, o domo de calor perde força quando há alguma mudança nessa configuração meteorológica, que consegue romper aquela alta pressão atmosférica.
Com isso, a bolha de ar quente consegue se dissipar — e há um alívio na temperatura.
Quando o “domos de calor” deixarem o Sul nos próximos dias, por exemplo, segundo a meteorologista Josélia Pegorim, isso permitirá que nuvens carregadas voltem a crescer sobre a região.
O futuro
Para o futuro, a projeção é de que fenômenos como os “domos de calor” sejam amplificados, apontam especialistas. Isso ocorre, além das mudanças climáticas, também pela combinação de fatores como desmatamento, queimada e o uso inadequado do solo.
“Isso favorece que a estiagem e as altas temperaturas prevaleçam, ao inibir as chuvas e diminuir a cobertura de nuvens. Isso leva aos valores extremos de temperatura que observamos a partir de agosto (passado)”, disse o geógrafo Francisco Eliseu Aquino, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
“O cenário não é nada bom, considerando que tivemos agora o inverno mais quente do Hemisfério Sul”, acrescentou Aquino.
E o que isso significa para o futuro?
“Teremos mais áreas de alta pressão, que geram menos chuvas e mais ondas de calor”, pontuou Aquino.
Segundo as projeções, o regime de chuvas no país pode passar por uma alteração importante.
Atualmente, há uma espécie de corredor que liga a Amazônia ao Sudeste e leva umidade para essa região, especialmente entre os meses de primavera e verão (a partir de setembro e outubro).
Os especialistas observam uma mudança gradual desse eixo, em que as chuvas se deslocam mais para a Região Sul — que atualmente já é castigado por temporais e inundações que fogem dos padrões históricos.
“Quando você combina todos esses fatores com o desmatamento, a modificação de áreas de nascente e vegetação nativa, a tendência é que esses fenômenos se amplifiquem”, concluiu Aquino.
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