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OS INVISÍVEIS

Após ler a obra de Clarice Lispector denominada “A hora da Estrela”, surgiu à oportunidade de analisar a abordagem da autora quando, a premissa de representar aqueles que exercem seu labor no dia a dia e não são notados, os quais nominamos como “invisíveis”. Seguindo a relação dos personagens adaptamos ao contexto exposto a figura dos “lixeiros” que perambulam por todas as cidades e não são notados. Essas pessoas têm uma situação corriqueira ao longo da vida, a exposição aos conflitos diários da sociedade através do recolhimento dos restos deixados nas lixeiras e que “deixam claro o lugar de cada um”. Para começar a trabalhar, enfrentam a falta de saneamento básico, transportes precários, alimentação deficitária e passam por uma aculturação onde constroem suas personalidades de forma a atender à exigência da ordem social vigente. Acreditam ter as mesmas necessidades e chances de seus patrões. Subvertem suas origens quando acrescentam à sua cultura os valores daqueles. Esbarram na condição de precários construtores de uma sociedade capitalista e consumista onde o poder econômico extirpa a vontade própria. Sonham conquistar o seu lugar ao sol, ter sua casinha e carro financiados, a assistir o seu time de futebol aos domingos, mas nem sempre conseguem ir ao estádio, não tem dinheiro para pagar o ingresso, acompanham a partida pelo rádio.

O analfabetismo predomina nas categorias dos lixeiros, tornando-os escravos das classes dominantes. Encontram todo tipo de objetos, os odores violentam suas narinas. Quantos trabalhadores são licenciados por estarem deprimidos, em busca de uma resposta indigitada, mostrando, que em verdade, não é o “super-homem” que outrora acreditava. Enquadrados, escondem-se por detrás dos uniformes e coletes as suas decepções com o sistema que os relegam a insensatez dos conflitos do cotidiano. São os invisíveis. O indivíduo surge como uma unidade de referência fundamental, tanto para si mesmo como para a sociedade. O estado de direito cuja correspondência de opinar e de agir, contando que as suas ações não firam as proibições oficiais, os deixam “livres”, no entanto, estarão submetidos às proibições oficiosas que se lhe impõe. Existe um amplo acordo entre os sociólogos para admitir uma ligação de causa e efeito entre a complexidade das sociedades e o desenvolvimento do individualismo. Os uniformes dos “lixeiros”, embora na cor laranja os tornam invisíveis perante os ambulantes trabalhadores do dia a dia, essa característica viva da sociedade corresponde aos trabalhadores que fazem os “serviços menos qualificados”.

Em busca de uma identidade reconhecida, estamos verificando a ocorrência de um fenômeno cada vez mais comum, surge o imigrante invisível, ou seja, não conseguindo oportunidade de exercer suas funções no país, brasileiros, qualificados, são impulsionados por uma visão utópica, para outros países, com predominância dos EUA, Portugal e Espanha, aonde irão desempenhar as funções de faxineiros, lixeiros, garçons, atividades desprezadas pela sociedade estrangeira, tornando-os invisíveis onde a escassez de mão de obra é uma realidade. O incrível desta constatação é que no Brasil, não admitem desempenhar as mesmas funções que se prestam. São-lhes atribuídas responsabilidades aquém da capacidade pela qual são capazes de exercer. Marginalizados quase indigentes podem sofrer a segregação social, em sua maioria não sabem o idioma do país para onde migraram utopicamente em busca de um sonho, aumentando a diferença.

Os valores recebidos no exterior embora sejam vantajosas em comparação com as mesmas atividades exercidas aqui, não muda a suas condições que é não serem vistos. O sangramento moral não incomoda, pois todos sangram e cauterizam as feridas quando retornam à pátria. Aqui são vistos, ostentam riquezas adquiridas no exterior. Quantos filhos de pessoas importantes em nosso país se prestam a ser camareiras e até mesmo lixeiros em outros países, na Europa chegam a desempenhar também as profissões de prostitutas. Em sua maioria são iludidas por uma promessa de serviço. Só não lhes dizem qual será o verdadeiro serviço até que desembarcam em solo estrangeiro e a triste realidade lhes são apresentadas, a cobrança pelo custo da viagem etc, é imediata.

A carência ou banzo, aparece e criam a necessidade dos invisíveis se encontrarem, tanto aqui como no exterior. Alguns grupos são assíduos frequentadores onde o padrão de comportamento é aceito por todos. Geralmente nas feiras de exposição, aos domingos, sempre existe um ambiente onde a música e a comida típica de sua origem os aproximam. Nestes locais onde os invisíveis apresentam-se religiosamente, trocam informações profissionais e corriqueiras, carregada de emoções e frustrações do dia de trabalho e da distância. É ali que se tem notícia de todos e de tudo. O efeito da propaganda de comportamentos sociais, sobretudo na televisão, para a maioria das pessoas, gera frustrações diárias de não ver o sonho realizado, ou seja, não conseguir alcançar os mesmos bens e destaque social dos personagens que lhe são vendidos.

A alienação vista nas pessoas advém da frustração de ver os sonhos destituídos de qualquer possibilidade de realização, há a “dissolução entre o indivíduo e os outros” (Boudon, Raymond, BOURRICAUD, François – 1993, pág.21). Assim vimos na obra de Clarice Lispector, a construção da representatividade de pessoas que passam sem serem percebidas, onde as vontades limitam-se a um “tomar café frio”, ou mesmo “ir ao cinema uma vez por mês” acordar mais sedo no domingo só para ver o tempo passar, “pintar as unhas de vermelho” e sonhar com o dia de amanhã em ser uma estrela. A falta de opções para personagem, a repressão, a culpa por companheira, transformam-na numa ouvinte da rádio relógio e este era seu único meio de aprender alguma coisa. Sonhava em ser uma estrela, ser reconhecida, ser vista. Cidadania, nem se fala, não se compreende o que é ser cidadão ou sujeito de direitos, em verdade, a sua condição frágil é o máximo que traz para si. Assim são os invisíveis.

Traduzindo-se, os que vêm de famílias modesta têm em média menos probabilidade de obter um nível alto de instrução. Os que possuem baixo nível de instrução têm menos probabilidade de chegar a um status social elevado, de exercer uma profissão de prestígio e bem remunerada. É verdade também que as desigualdades são em grande medida gerada pelo jogo dos mercados, (BOUDON, Raymond, BOURRICAUD, François, Ática, 1993, 141).

A solução depende da sociedade em consolidar a educação e formação daqueles que estão esquecidos em suas misérias culturais. É preciso ter vontade política para que os invisíveis se tornem vistos e tenham as mesmas chances que os demais. Então, nascerá uma estrela que brilha nos céus de nossa pátria e todos serão iguais perante a lei. Utopia? Talvez, mas, sonhar nos permite refletir e, de alguma forma participarmos da mudança de rumo da sociedade onde nos respeitamos e nos ajudamos uns aos outros, desta forma, contribuimos para nossa evolução.

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